sábado, 16 de junho de 2012

O poeta

                                      (Pintura, de Flávio de Carvalho 1939)

O poeta tenebroso em manchas e borrões, em cores de escuridões. De pinceladas sonolentas, carregadas de tédio e rancor que escorrem densas feito sangue, turvas feito lágrimas, formando uma poça de lama e beleza. Na superfície rugosa da tela se destorce a imagem em angústia, que esconde mais do que diz, que pergunta mais do que pode afirmar. Os olhos do poeta, donde nasce a poesia, transborda a melancolia das horas que se esvaziam no tempo que já não quer mais passar, e por isso paira em eternidade por sobre a galeria da solidão. Da minha solidão, da solidão do poeta, do pintor, do espectador incógnito de tudo isso... Em seu rosto carcomido, azulado de velhice, vivem as marcas do sofrido, do lembrado e do esquecido. A esperança já morreu, mas a vida primitiva se manteve. Ele pensa o impensável e busca na palavra o incompreensível do mundo, mas se perde em devaneios e já não sabe como regressar ao banal da vida orgânica, por isso mergulha abandonado nas águas inconscientes da poesia ainda por fazer, sempre por fazer... Na mão, que repousa cansada, segura cambaleante o copo de conhaque, que tenta esquentar a alma fria e animar o corpo decadente. Bebe poeta, mantem-se embragado, de álcool e de poesia, que a vida é um gole que desce ardendo, uma página amaçada de versos dissonantes, e la fora a noite espera impreterivelmente tua volta ao começo.

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