segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sobre mentira e verdade

Porque os seres humanos mentem? E o que afinal é a mentira? Será ela somente o oposto da verdade? Parece-me que não, pois assim seriam muito fácil identifica-la, pois sempre teríamos apenas duas opções (maniqueísmo). Mas é a verdade o que é? Sabemos não ser apenas o oposto da mentira, é parece-me também não ser una (como pode-se vir a pensar), visto que se modifica ao longo do tempo e em meio as diversas culturas. Assim tanto a verdade como a mentira podem ser múltiplas, e só se opõem em relação a circunstancia em que estão postas. Esse seria o mais comum raciocínio relativista, uma típico sofismar, que por mais antigo que seja essa pratica, me parece muito presente no pensamento contemporâneo. Mas o que é o conhecimento se não um sofismar com fé?
Se pararmos para pensar na constituição histórica do pensamento contemporâneo resumidamente podemos voltar até o Renascimento. Quem eram os homens renascentistas? Homens que saindo de um período de forte controle dogmático (não que isso não ocorra em outras épocas, e mesmo hoje), mas ainda imbuídos de uma poderosa fé religiosa se voltaram para a Razão, e reinterpretando ela dos antigos deram-lhe o posto de Deus da Modernidade. Mas como todo pensamento trás em seu próprio âmago a semente de sua contradição, junto com a fé na razão veio em contra partida o chamado ceticismo, a razão estremada que leva a descrença extremada. Pois ao mesmo tempo que o pensamento racional explica as coisas ele aumenta em nós a propensão a duvidar das coisas .O maior teórico do racionalismo moderno, René Descartes, em seu Discurso do Método, cria sua máxima “penso, logo existo”, antes de tudo partindo da total descrença em qualquer explicação. Daí afirma um de seus contemporâneos, Pascal: “Dois excessos: excluir a razão, e não admitir se não a razão”. Tudo o que primordialmente herdamos desses homens renascentistas foram exatamente dois excessos, unidos formando uma poética e rica contradição; a gloria da razão o infinito da não-razão(imaginação).
Lendo os ensaios de outro instigaste homem renascentista, Michel de Montaigne, percebesse seu profundo conhecimento do pensamento dos antigos gregos, e sua enorme capacidade para expressar os costumes de seu próprio tempo e classe (ele era de uma família de burgueses que ascenderam a nobreza no século XVI). Ao falar sobre o mentiroso afirma ele: “Se, como a verdade, tivesse a mentira só uma face, eu a poderia ainda admitir, pois bastaria considerar certo o contrário do que dissesse o mentiroso; mas há cem mil maneiras de exprimir o reverso da verdade e o campo de ação da mentira não comporta limites. Os pitagoristas tinham para eles que, o bem é coisa certa e delimitada, o mal incerto e infinito”(Os pensadores - Montaigne I). Percebe-se que ao mesmo tempo que ele utiliza o pensamento lógico racionalista, ele se serve de uma noção quase metafísica sobre a verdade e sobre o bem. Ah como me brilha nos olhos a imagem da contradição, latente, mesmo que em germe em todo pensamento profundo! Mas a beleza desse pensamento esta mesmo no fato de que Montaigne afirma a existência da verdade em relação única com quem a diz, ou seja, em um sentido subjetivo, como verdade interna, por isso em outro trecho do ensaio ele define a mentira como; “ ...mentir é falar contra a própria consciência.” A mentira parece assim muito mais um desacordo com sigo mesmo do que um ato de ignorância.
Mas é claro que a relação entre mentira e verdade nunca mais foi a mesma depois das poderosas marteladas filosóficas de Nietszche, que provocaram um abalo decisivo, que constituiu o que hoje se tem de mais sofisticado na filosofia. Mas esse abalo não separou as duas, pelo contrario, as uniu tal qual gêmeos que se interpretam um ao outro para confundir a mãe e acabam confundindo a sí mesmos. Ele nos mostrou como a aparente oposição das duas só as torna mais próximas. E no fundo de toda verdade se esconde uma mentira e vise e versa. “...as verdades são ilusões das quais esqueceu que elas assim o são” (Nietszche– Sobre verdade e mentira). Mas uma ilusão não é uma mentira, no sentido de não-verdade, mais me parece uma meia-verdade, assim como uma meia-mentira. Talvez fique melhor entende-la como uma distorção, para não nos tornarmos radicalmente cépticos em relação ao conhecimento, pois mesmo sabendo que ele não é um instrumento divino e perfeito, de muito serviu e serve aos humanos, seja na construção de instrumentos que facilitam a vida, seja no próprio processo de sua criação e contemplação. Claro que como amante da filosofia não posso eu pregar pela destruição total do conhecimento, mas melhor do que isso prego por sua reinterpretação. Conhecimento não é mais sinônimo de busca pela verdade, mas sim de criação da verdade. Conhecimento é arte! E isso que venho percebendo em cada livro, cada quadro, cada filme ou peça que assisto.
Poderíamos pensar então que Nietszche descorda de Montaigne, que estão falando de coisas diferentes. Não para mim! Pois para mim eles se completam, ou melhor, me completam. O primeiro destrui a metafísica da verdade, o segundo admitiu a verdade interior.