quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Breve teoria do carnaval

Ah o carnaval!! o acontecimento religioso da raça, nas palavras de Oswald de Andrade. Um ano de espera em uma vidinha mais ou menos(pois em qualquer circunstancia a vida sempre é mais ou menos do que esperamos dela, para melhor ou para pior) para poder cair em sua graças, rir e chorar das ilusões da vida, até tudo se acabar na quarta-feira. O carnaval não é só uma festa, historicamente entranhado na genética cultural brasileira ele já se tornou um rito de celebração da Vida e resistência contra a Morte (pois inegavelmente e paradoxalmente quanto mais se vive, mais se morre). Uma mistura perfeita de procissão religiosa e festim dionisíaco,o profano e o sagrado, o santo pecado, a união prometida pelo profeta-poeta Blake entre o céu e o inferno ( ah se o tempo pudesse ser abolido e o genial Blake pudesse trocar o frio cinzento da Inglaterra do século XVIII pelo calor vibrante dos pandeiros e tamboris brasileiros!) .
O carnaval se constituí de carne e é no espírito da carne que o sentimos, suor, sangue e lágrimas escorrem pelo corpo e inundam a avenida onde dançam os mortais, que cantam em homenagem a vida enquanto vislumbram a própria morte sempre a nos esperar no horizonte, a nos espreitar no escuro, a nos sondar paciente, lá esta ela na quarta-feira de cinzas. Pois o carnaval é a explosão dos opostos, a contradição e o contraste latente, a existência humana absurda posta em prova. O carnaval não se explica pela lógica, para além das questões sociais, econômicas e políticas, filosoficamente falando o carnaval se faz metáfora. A metáfora da esperança humana, que é a força que nos move, e ao mesmo tempo a maldição de termos que nos mover. É a metáfora do desejo humano, ou a Vontade como diz Schopenhauer, essa força inconsciente e insaciável que tudo devora, até a si mesma, como um ciclo sem fim. Antes do carnaval esperamos o carnaval, depois do carnaval esperamos o carnaval, por isso o carnaval é a prova de que só se pode ser feliz na desesperança. Se eu acreditasse em Deus, poderia até dizer que ele é um velho sacana, com um senso de humor maléfico, pois uma das mais terríveis leis do tempo é que o momento esperado sempre é mais rápido do que a espera. Assim os dias de carnaval mais parecem minutos, e o ano que nos separa dele a tediosa eternidade.
E podemos nos perguntar, e de que vale tudo isso se por fim, do carnaval nada fica, se não esse esperança que maltrata, que angustia, que pesa no peito como o pesado fardo cristão da salvação? O carnaval em si é inútil, como todas as tentativas humanas de vencer a morte e de explicar a vida. Mas que bobagem, o único valor do carnaval é vivenciar o carnaval, e quem sabe narrar os muitos carnavais, assim se faz a experiência, que é a única coisa que vale na vida humana, pois é também a única coisa que pode relativamente perdurar além da efêmera vida individual, pois pode ser guardada tanto no inconsciente coletivo quanto na arte, formas de memória compartilhada. E se pensarmos bem, não é na inutilidade de nossos sonhos que está toda a beleza de sonharmos, não é isso que o carnaval representa? A arte é tão bela quanto inútil, a vida é tão essencial quanto fútil! Nada que fazemos pode mudar nossa condição, e mesmo assim fazemos, mesmo assim mudamos, mesmo assim retornamos ao igual.
Outro belo paradoxo que o carnaval revela é exatamente o eterno retorno. Diz Walter Benjamin que o principal na brincadeira é sua repetição, a criança que brinca sempre quer brincar mais uma vez, sempre quer repetir o jogo, infinitamente de novo. A repetição é a lei que rege a experiência. Ao sentirmos algo retemos o sentimento, mas é na narração desse sentimento que nasce a experiência. Precisamos repetir para moldar as sensações e sentimentos em experiencia humana compartilhável, assim também se constitui a memória, na repetição, que é o coração vibrante do Tempo. O que consola no pensamento terrível do eterno retorno é saber que se tudo de ruim em nossas vidas se repetirá, também tudo de bom se repetirá, e assim sempre haverá um último carnaval e nele a eternidade em um segundo...
Pensemos melhor no carnaval como ato lúdico que é, as fantasias, a música, a dança, a brincadeira. O Homo sapiens é o animal que trabalha e constrói, assim ele se protege dos perigos da natureza e dela retira o que necessita, por isso ele representa os primórdios da humanidade, por ele nos sobrevivemos até hoje, e com tudo que foi construído para nos proteger e confortar, podemos guardar algum tempo para ações inúteis, como por exemplo brincar. Depois que nossas necessidades externas são satisfeitas o que encontramos é um vazio em nosso peito, e esse é o problema em se ter uma alma, é que ela também tem fome. E fácil perceber isso, se o homem tem uma casa para se abrigar e comida, ele pode viver muitos anos, mas se isso é tudo que ele tem para viver, em menos de um ano ele se enforcaria ao perceber a banalidade e o desproposito de sua existência. Nessas condições a única forma de resistência e a invenção do inútil que logo se torna indispensável. Por isso o futuro pertence ao Homo Ludens, a vida para além da mera sobrevivência e a vida como jogo, como arte. Onde apesar de sempre perdermos para a morte, damos um jeito para fazer belos gools de placa.
Tratei do carnaval em termos gerais, mas se analisarmos por partes, destacando seus principais elementos podemos retirar importantes e interessantes temas filosóficos. Analisemos primeiramente a fantasia. A fantasia tem o poder de ampliar as possibilidades ontológicas do humano, propiciando a expansão do Ser. Quero dizer fantasia em todos os seus sentidos, tanto na materialidade das roupas, máscaras, chapéus, quanto simbolicamente enquanto imaginação, invenção, ficção, ideia, pensamento, arte. O fantasiar-se é a possibilidade de ser outro, e por tanto, de nascer de novo, de ser diferente (novamente surge o eterno retorno como pano de fundo do fantasiar-se). A fantasia é a ligação com a teatralidade da existência enquanto palco de uma tragicomédia, onde cada um representa um papel aparentemente fixo, mas que no carnaval se revela cambiável, o que só prova que o Ser nunca é, mas está em eterna construção. Fantasiar-se é reinventar-se, e querer ser mais do que se é. É dar vazão aos resquícios de personalidade escondidos no inconscientes, e dar voz ao outro que nos habita. E ao mesmo tempo e zombar de si mesmo, é afirmar a si mesmo que seu Ego não passa de uma ilusão, que no carnaval vira brincadeira.
Pensemos na constituição física do carnaval, que é formado por um bloco, uma multidão de pessoas reunidas ao redor de uma banda ou trio elétrico em um movimento mais ou menos harmônico rumo a mesma direção. O ser humano é sem duvida um animal sociável, e as multidões tiveram importantes papeis na história, se pensarmos bem quase todos os mais marcantes eventos da humanidade envolvem de alguma forma multidões, desde revoluções, guerras, esportes, ritos religiosos etc. É claro, por tanto, a força que uma multidão desencadeia, é uma energia que transpassa todos os corpos e parece criar um só corpo. Nesse sentido o bloco de carnaval colabora com a questão da despersonalização posta anteriormente pela fantasia, pois envolto na multidão o individuo se torna um desconhecido, e por isso pode ser qualquer um, pode ser outro. Nas palavras de Baudelaire: “gozas da presença das massas populares é uma arte”. Dentro da multidão tudo se generaliza, tudo se transmite, a música, o canto, a dança, a embriagues, a euforia a vitalidade o desejo. Aos olhos da multidão, só existe a multidão, e nada mais.
Tratarei da música, da dança e do canto como sendo um só elemento, que mesmo peculiar se associa e fortalece os demais. A música é tida por alguns filósofos como a arte maior, assim afirma Schopenhauer: “...o que distingue a música das outras artes é que ela não é uma reprodução do fenômeno ou, melhor dizendo, da objetividade adequada da vontade; ela exprime o que há de metafísico no mundo físico, a coisa em si de cada fenômeno”. Assim sendo a música é capaz de tocar diretamente o espírito, não é atoa que ela é utilizada desde os primórdios da história em todo tipo de rito religioso. A música envolve, cria ambientes, reverbera no corpo e cria a dança, (expressão física da imaterialidade do som), leva ao transe e a imersão. A pesar da grande complexidade da teoria e mesmo da prática da música, ele tem a incrível capacidade de transmitir sentimentos de forma muito direta e simples. Ninguém precisa entender absolutamente nada de música para se alegrar ou entristecer ao som dela, por isso ela é tida como universal. Quem canta seus males espanta é um dito popular que expressa bem o que representa a música no carnaval. O canto cria a identidade compartilhada da multidão, o que gera o sentimento de pertencimento, de abrigo, de segurança, não se teme aquele que ao seu lado canta a mesma canção que você. Uma voz unida a tantas outras, assim a música se fortifica ao ser cantado pela multidão do bloco.
Por último destacarei um elemento que sozinho não representa muita coisa, mas associado ao elementos já citados se torna poderoso no carnaval. Esse é o álcool, a embriaguez, principalmente o que vem da cachaça, marca brasileira no mundo todo. No carnaval a cachaça se torna o elixir da vitalidade, a fonte da juventude, o combustível da folia. Historicamente a bebida sempre teve lugar nas comemorações e eventos religiosos, a ela os gregos deram como deus nada menos que Dionísio( que também é o deus da dança e da música, o que revela a ligação mistica entre essas artes e o álcool), que sem dúvida abençoa a cachaça tanto quanto o vinho. Vejamos como a bebida associa-se aos demais elementos carnavalescos e fortifica-os. A bebida é instrumento poderoso de sociabilização, ao se ofertar uma bebida a alguém, cria-se laços de amizade, a bebida reuni os bebedores, é uma desculpa para o encontro. Assim ela fortifica o sentido do bloco, da multidão. A bebida leva a embriaguez, a embriaguez ao libertar o inconsciente colabora com a despersonalização do sujeito, e por tanto, com o sentido da fantasia, além do que, enriquece a criatividade, incita a imaginação fortificando a reinvenção de si. A embriaguez destrói qualquer forma de timidez, e é claro aboli totalmente nossas noções de bom senso, que normalmente regem nossas relações cotidianas, tornando o sujeito carnavalesco mais expansivo e propicio ao canto e a dança. A embriaguez derruba nossos preconceitos estético, ampliando nossas noções do belo, o que colabora também para a derrubada de preconceitos sexuais, pois como dizem, no carnaval pode tudo, homem vira mulher e mulher vira homem. Voltando a Baudelaire: “É preciso estar-se, sempre, bêbado. Tudo está lá, eis a única questão. Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-vos para terra, é preciso embebedar-vos sem trégua. Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa. Mas embebedai-vos”. E para mim se o poeta disse, tá dito, é lei!ah o bom poeta! Se estive no carnaval brasileiro seria o mai triste e feliz pierro da avenida!
Assim termino minha breve dissertação/devaneio filosófica sobre os sentidos do carnaval, sempre relembrando os carnavais passados e esperando que muitos outros venham, e que esse pequena e simples teoria muito particular possa estar sempre se transformando.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A chuva lá fora cantou o dia todo seus ritmos melancólicos, como uma revoada de gotas a tamborilar nas folhas das árvores, embalando os sonhos diurnos. E a umidade branca que paira no ar como espectros de vida e se acumula nas coisas como detritos de sono, tomou conta dos meus pensamentos, cobrindo meus olhos de lodo e musgos...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

                                                                                 (Fotografia de Ninguém)
Ergo os olhos e contemplo triste a beleza intangível da Lua, mãe da noite tenebrosa, em sua indiferença luminosa das alturas. Nossas Solidões se encaram, se medem, se identificam, se cumprimentam e se despedem, sabendo ambas serem indeléveis ao tempo.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Domingo

No intervalo entre os ponteiros do relógio, o tempo estendido, o dia passa lento em tons de eternidade. A manhã que desperta sonolenta, a tarde morna e preguiçosa, a noite triste e silenciosa. Tudo novo de novo e eu...