Me olho no espelho e deparo-me com o Eu, essa construção precária
e cambiante formada por fragmentos de percepção e memórias da
superfície do Ser que chamamos consciência. E não paro de me
perguntar o que há por de traz dessa máscara de pele, carne e osso,
que as vezes se releva misteriosa num instante, no brilho de meu
olhar vazio e infinito. A substancia mistica, a linha mágica que
liga em emaranhados de nós a existência das coisas e dos seres,
deixando indelével a marca das interdependências da vida, que se
esticam e se encolhem, mas nunca se quebram englobando mesmo a morte
e os aspectos parciais da finitude aparente. E que para além do
indivíduo que sou, que se instala no tempo com seu começo e seu
fim, habita em mim o impessoal da vontade universal. E sinto com
angústia intima as raízes obscuras e profundas do que me precedeu e
sustenta, e que proclama o vindouro, que mesmo desconhecido tende a
regressar. Pois a escolha advem da ação, no tempo primeiro do corpo, antes do pensamento.
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