domingo, 7 de julho de 2013

Objeto perdio

Ao meu mais antigo Amor,
restam as riquezas da dor,
as gotas de silêncio no canto da boca,
o odor de solidão nos cabelos e barba,
as noites escuras que raiam em mim.
Uma vela no breu para desnudar a imensidão.
E todo tempo perdido pertence a esse Amor indistinto.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Discurso 177

O primeiro valor que se da a um ser é o nome. O nome é a alma inventada das coisas. A forma invocativa que duplica o real e presentifica o ausente em som e imagem. Posto que nas trocas intimas a coisa ganha matéria de palavra e a palavra matéria de coisa. Antes do nome, que distingui e marca, as coisas eram chamadas indiferentemente de Tudo, ou Nada, tanto faz... fora da palavra, a beleza primitiva e assombrosa da natureza selvagem das coisas inomináveis, sem razão nem divindade, apenas o Isso.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Discurso 63

Não há um único dia em que eu não acorde querendo dormi. Com os olhos entreabertos ainda úmidos de aurora, vejo a vida se desfazer nas brumas do sonho, se perder na irrealidade dos desejos anônimos. E antes que eu possa afirmar que despertei, transito sem corpo, num tempo distinto, nostálgico e sonambúlico, entre mortos e não nascidos, entre Eus vividos e mentidos. E minha vida íntima e abstrata emerge, fluindo por sobre as engrenagens enferrujadas do cotidiano, enchendo minha externalidade, meus gestos fúteis e necessários,  da sonolência profunda e intransponível dos astros.
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Discurso 301

Me olho no espelho e deparo-me com o Eu, essa construção precária e cambiante formada por fragmentos de percepção e memórias da superfície do Ser que chamamos consciência. E não paro de me perguntar o que há por de traz dessa máscara de pele, carne e osso, que as vezes se releva misteriosa num instante, no brilho de meu olhar vazio e infinito. A substancia mistica, a linha mágica que liga em emaranhados de nós a existência das coisas e dos seres, deixando indelével a marca das interdependências da vida, que se esticam e se encolhem, mas nunca se quebram englobando mesmo a morte e os aspectos parciais da finitude aparente. E que para além do indivíduo que sou, que se instala no tempo com seu começo e seu fim, habita em mim o impessoal da vontade universal. E sinto com angústia intima as raízes obscuras e profundas do que me precedeu e sustenta, e que proclama o vindouro, que mesmo desconhecido tende a regressar. Pois a escolha advem da ação, no tempo primeiro do corpo, antes do pensamento.

sábado, 12 de janeiro de 2013

O amor perfeito

A vida que quer se superar, tem sede do seu oposto...
A pedra que quer ser flor;
A flor que quer ser bicho;
O bicho que quer ser homem;
O homem que quer ser deus;
O deus que é pedra!
E silêncio...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Discurso 88

Estou em uma rua de mão única, os lados opostos refletem o mesmo infinito misterioso. O corpo cravado na imanência do agora, vasto e poroso, transpassado de tempo. A frente o amanha, onde vejo as sombras estranhas do ontem. A paisagem abstrata e nebulosa brinca de enganar minha visão vacilante. As imagens imprecisas se transformam de acordo com o vento que me sobra pelas costas da  memória adormecida, despertando fantasmas incongruentes. Se sussurra o vento as lembranças de um mar, de ondas turvas de cor esmeralda, tudo se ilumina com os tons da esperança, e os raios de ouro do sol sobre minha cabeça, desenham histórias de prazeres indeléveis, de amores irrestritos, e posso até sentir o cheiro do calor da vida que arde no rosto e no coração de carne sensível e pulsante. Mas se o que me vem desse mesmo vento de outrora, pesa nas costas da alma como a angústia antiga dos mortos esquecidos,  descobre-se da familiaridade dos dias comuns o elementos bizarro que escapa a razão em tormento. Plantado o temor, desabrocha a rosa de um espírito avarento. E os passos que antes pareciam rumar ao futuro, se voltam para traz, em um andar de curupira, deixando pegadas que apontam para o contrário. E assim descubro que a mesma rua de mão única é agora a contramão de tudo que passou, e se volta novamente ao ponto desconhecido de onde parti para o então... onde o destino irremediável brinca nas linhas casuais do inesperado. E não tarda a surpresa a tocar em meu ombro e desperta de meu sono a vidência de um tempo ainda por vir.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Discurso 62

Do imemorial mais antigo, as vezes me surge como um relâmpago cortando minha consciência cotidiana, abrindo fendas no tempo-espaço, o desejo primordial, como uma sombra, por de trás de um objeto qualquer, que por um curto período me apraz em ilusão. É o delírio do seio que alimenta a fome, a fusão, o regresso ao corpo materno, ao amago da terra, as entranhas de Deus. Donde se inaugura a instancia do sujeito-desejante e se desencadeia o movimento do tempo, que se expande infinito entre uma carência e o cumprimento dessa, iniciando a história de uma subjetivação da parte individualizada do Todo, rumo ao nada. E depois que o primeiro passo se abre em caminhos, se fazem curvas em labirintos sem rumo, a semente do desejo, plantada na ausência se ramifica rizomática, e perdida de toda origem, se constroem em sistemas descentrados, em dispositivos de desejos que se interelacionam em contradição e se fazem em conjuntos de possibilidades por entre as camadas do real e do imagnário. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Discurso 73

Da cisão de meu ser, da discórdia do meu eu, da contradição intima, nasce o duplo, o Outro que me habita, tão próximo e desconhecido. Os olhos que me observam, me indagam, me acusam e me condenam, por muitas vezes não ser quem penso que sou, e outras por ser deveras eu mesmo. Ele está em toda parte, nos olhos alheios, no reflexo do espelho, por dentro de minha pele. Pensa com meus pensamentos, fala com minhas palavras, age com meus gestos, e mesmo assim está sempre a me escapar, a me esconder, a me trair. É vítima e algoz em minha angústia. Tudo em mim que é distância, pensamento e ação, querer e poder. É falha, lapso, desencontro, intervalo indefinível de mim para comigo. O desejo que dúvida, a ação que vacila, a fala que gagueja. Tudo o que sou e não posso ser, tudo que deveria ser mesmo não sendo. Ele acompanha minha solidão e não me deixa esquecer o veredito: Estas condenado a sempre estar contigo...