sexta-feira, 22 de maio de 2009

Crônica Urbana: sonho acordado



Atolado nas obrigações da vida cotidiana, contas a pagar, prazos a cumprir, relações humanas frias e necessárias, ando sem forças me arrastando como um morto – vivo pelas ruas da cidade. A obrigatoriedade da vida, a repetição interminável e tediosa das horas, dos dias da semana, dos meses e anos, tudo parecendo tão indispensável quanto inútil! Não sei por que diabos continuo com tudo isso! E na verdade nem gosto de levar essa reflexão muito adiante, pois acho que ela pode acabar com um tiro na cabeça ou algo assim (porque não dar um tiro na cabeça? me nego essa pergunta). Como uma sombra, transito entre a multidão imperceptível, os olhares parecem me atravessar, minha angústia muda se debate no meu peito. Espero o ônibus que me leva ao trabalho, e também que me traz de volta a casa, sempre assim, sempre igual. O que vou dizer agora pode soar como uma enorme bobagem, mas quem há de me recriminar?! Quem há de negar a singularidade humana, como eu existem milhões, como eu não existe nenhum. A subjetividade individual não segue lógica cientifica nem necessita comprovações empíricas, por isso ignoro o que em minha história pode parecer bobagem e sigo minha narrativa. Avisto de longe meu ônibus, o mesmo de todos os dias. Subo, olho indiferente o cobrador, que me responde da mesma forma, pago a passagem, atravesso a catraca, me sento ao fundo do veiculo, visto meus fones de ouvido, e ao som calmo e sublime de uma sonata de Mozart ou Bach inicio minha viagem. É nesse momento banal, nesse ônibus comum, que com música aos ouvidos e os olhos grudados na paisagem urbana externa que passa em alta velocidade, encontro meu oásis da existência, minha válvula de escape dessa grande realidade que me oprime. É nesse instante efêmero e indelével que me sinto verdadeiramente humano, com todo o prestigio da palavra! Os budistas se dedicam a longos exercícios de meditação na busca pela transcendência da existência, o encontro com a eternidade sublime do Nirvana. Me arisco ao ridículo ao afirmar que tal meditação para mim se encontra dentro de um ônibus. Ali naquele banco, isolado pela música de toda a atividade exterior ao meu redor, com os olhos fixos no movimento continuo da cidade, entro em uma espécie de transe tão profundo quanto o de Buda. Minha alma livre com as asas da imaginação dança e canta por entre mundos que jamais conhecerei. Ali naquele mero ônibus caindo aos pedaços me torno sociólogo, filósofo, poeta, político hábil e honrado. Penso no problema da fome mundial, o neoliberalismo destruidor, as condições históricas e culturais da América Latina, da África e da Ásia. A economia mundial, a globalização, as soluções futuras para o capitalismo decadente. Penso na luta dos Sem Terra, na igualdade social, me encontro com os maiores pensadores da historia. Debato, discuto, proponho, discurso... Entrego-me a reflexões metafísicas sobre o Amor e a Liberdade. Lembro Platão, Rousseau, Nietzsche e Sartre, eles me falam de suas vidas de suas histórias e de toda sua filosofia, instrumentos de transformação para a humanidade. Penso na literatura, na poesia, em tudo que escreverei e que engrandecerá todos os homens e mulheres que lerem. Penso na ética social, que luta contra toda forma de racismo, preconceito e discriminação negativa que assola as nações, penso na ética ambiental que tenta evitar a degradação de nosso meio ambiente, o aquecimento global e o desmatamento da Amazônia. Penso nas guerras e na paz, na vida e na morte. Quem que me olha de fora vê um indivíduo patético, de vestes acinzentadas e semblante melancólico. Ninguém pode imaginar que no infinito de minha alma correm os discursos mais nobres e grandiosos da história da humanidade! E somente nesse breve período de vinte ou trinta minutos de viajem que me permito a fuga da pequeneza cotidiana e me torno Herói de mim mesmo. Chega minha parada, cessa a música em meus ouvidos, voltam meus olhos para a realidade socialmente aceita, desço do ônibus, ficam para traz os sonhos, esperando uma outra viajem. No escritório me espera uma montanha de documentos...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

I.

O exercício da observação moral: o que é a observação moral se não a análise das percepções empíricas e psicológicas das relações interpessoais, levando em conta os valores históricos e culturais das construções sociais? Buscando entre elas sentidos de Bem e Mal, certo e errado, útil e inútil, verdadeiro e falso, aceito e reprovável. Comumente na vida cotidiana esse é um dos mais apreciados exercícios entre grupos e subgrupos populares. Obviamente que em um nível mais baixo, com uma linguagem menos diversificada e profunda, com fundamentos intelectuais menos arrojados, no âmbito do senso comum isso é chamado, em tom pejorativo, de “fofoca”. Se não vejamos como se dão as coisas. O que faz um “fofoqueiro” ou “fofoqueira”? Penso que fala sobre a vida das outras pessoas, incluindo de diversas formas diferentes uma sensação de simpatia ou aversão, ou mesmo às vezes um posicionamento não muito bem definido. De ambas as formas (ressaltando as devidas diferenças) o que está envolvido basicamente é a emissão de uma opinião sobre os valores envolvidos em determinada ação ou reação humana. A “fofoca” se caracteriza como um comentário impertinente, insolente, repleto de uma pequena maldade cotidiana, desprovido de análise crítica, reflexiva e racional, fundamentado por conhecimentos televisivos, sentimentos pessoais e por outras fofocas. Enquanto na observação moral, tomemos como exemplo “A contribuição para a história dos sentimentos morais” de Nietzsche, existe uma reflexão crítica e racional sobre as relações interpessoais, que busca desvendar não os sentimentos que se fazem obvieis, claramente representados no teatro social, mas sim os sentimentos mais leves e obscuros que se escondem ao primeiro olhar e estão ligados aos interesses pessoais e/ou sociais de cada indivíduo. Buscando perceber relativamente às ligeiras variações na moralidade que ocorrem de acordo com o contexto histórico-cultural e as subjetividades humanas. Além do exército intelectual, crítico e criativo de tal tipo de observação, ela ainda possui uma importância ética tanto para vida individual quanto coletiva. Fora o fato de que na forma escrita à observação moral ganha grande valor literário, podemos observar isso em muitos romances e contos, como por exemplo, de Machado de Assis, anatomista de almas sempre pronto a extrair e analisar a moral de dentro da trivialidade das vidas humanas. Por fim, parafraseando o filósofo já citado; a observação moral ajuda a aliviar o fardo da vida e permite ganhar presença de espírito em situações difíceis como também distração em ambientes enfadonhos, que mesmo nas experiências mais duras da vida se possa ao menos extrair sentenças férteis para serem compartilhadas e tornar a vida pouco mais inteligível e interessante.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Escondida no banal



Hoje me deparei com a Beleza! Ela estava assim como quem não quer nada, perdida no mundo cotidiano, por acaso pegou o mesmo ônibus que eu. De repente ela se levantou do banco pouco a minha frente, e parou por um milésimo de segundo. E só essa aparentemente insignificante fração de tempo me permitiu lançar um olhar e pescar a imagem dela em minha mente. Com os olhos é possível possuir as coisas, os olhos abertos rumo ao externo, como as portas da consciência. Ela não trazia uma estética de cinema nem capa de revista, era simples e sensual, talvez mais comum do que eu esperava. Mas em um momento intangível, em determinado ângulo, em certa incisão de luz, o contraste com a sombra, a devida temperatura do ambiente e as propicias condições físicas e psicológicas. Eis que ali, nessa caótica e infinda estatística do real, me surge a Beleza encarnada em corpo de mulher! Nesse curto tempo meus olhos derreteram por sua esbelta silhueta, escorrendo da face, pelos olhos e lábios, passando pelos cabelos aos ombros, até chegar e reter-se no decote da blusa branca que exaltava as arredondadas curvas dos seios. Às vezes não sei ao certo se vi realmente o que vi ou se foi tudo imaginado! Acho que no fundo nem importa mesmo... Senti e o sentido se vale por si só, fora da Razão. Pude testar as forças de sociabilidade colocadas em mim, os laços da moral. Naquele instante eu só queria possuir a Beleza, tela para mim como um prêmio ou tesouro. Senti então a força de minhas raízes, meus instintos naturais. Se desperta minha fome mais antiga, a dos primórdios! Isso tudo no subterrâneo de mim, pois fora reina a aparente calmaria do dia a dia. Por sobre a película do normal, me encontro sentado, calmo e cooperativo como um bom e domestico humano civilizado. Meus desejos foram controlados e jogados para algum lugar escuro do inconsciente. Talvez voltem em forma de sonho erótico ou delírio cotidiano. O ônibus parou e ela se foi. O fato que fica registrado por minhas retinas é que em um ônibus comum, em um dia qualquer, entre pessoas normais, nem mais nem menos, vi a Beleza passar, inflar minha imaginação com seu sopro caliente e desaparecer sem nem mesmo acenar...!