quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Duplo


Todos vivemos uma dupla existência.
Na ambivalência do Ser, que confunde em si,
Fome e Amor.
Em uma composição bio-ontologica que contrasta,
Liberdade e Necessidade.
Entre um coração que bate sem saber porque,
E uma alma que se inventa no ato de conhecer.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Discurso 2



                              (Narciso, por Caravaggio)

Busco na imperfeição da memória meu Eu original, aquele que era antes mesmo de eu ser, aquele que tudo podia em sua onipotência inconsciente, autossuficiente, autoerótico, deus em si mesmo! Mas onde ele está? Onde o perdi para sempre, em que momento o abandonei atraiçoando a mim mesmo e condenando-me como Édipo, por minhas próprias forças, a desventura? No auge de minha exuberância parti de minhas terras rumo ao desconhecido do Outro, o amor me convocou na imagem de mulher. Mas nada encontrei se não decepção, abandono e desprezo. Ao regressar a mim, já não me encontrei, minha casa vazia nada mais guardava de meu antigo reino, agora em ruínas. Torno-me assim, peregrino sem rumo, exilado de mim na solidão incomunicável dos homens, na melancolia das horas que me seguem, buscando inconformado o que nunca mais serei. Mirando ao longe a sombra do objeto perdido que recai sobre mim tenebrosa. Agora tomado apenas como resquício idealizado e inalcançável as minhas mãos de mendigo, eternamente faminto. Aprisionado a minha imagem no espelho, ao reflexo da ausência de um outro, ao amor de mim por mim, que me volta feito veneno, feito ódio que me dissipa por dentro, fragmentando-me em Eus sádicos e masoquistas, que se deleitam em uma orgia perversa.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Discurso 1


Desvio de pulsão libidinosa para o exercício sublimador da dor. A especulação interpretativa, a produção de sentidos tidos como palavra ditas e ouvidas. Que mesmo ilusórias e parciais, como metades, como fragmentos da Coisa-em-Si e em Nós, parece relevar aspectos misteriosos da existência supra racional. Mirar o Caos, vivido, furioso, obscuro ao nosso redor, e por tanto, dentro. Buscar alucinado, como quem está tomado de luz, moldar símbolos com as mãos feito um oleiro, e cobrir o Vazio, humanizar o supremo Nada. Proclamando a beleza efêmera das palavras-imagem que brotam do desproposito de nossa arte! De nossa curiosidade infantil! E de nosso gosto pelo artificial, pelo espelho. Como a criança que constrói castelos de areia na beira do mar, e ri quando os vê destruídos pelas forças inevitáveis de si mesma ou do mundo.

quinta-feira, 3 de maio de 2012


                                     (Melancholia I, gravura, Albrecht Dürer)

Caminho pelas ruas da cidade, atravesso salas e corredores, vou ao shopping center, sento no bar, tomo um coletivo, transitando entre homens e mulheres que me olham com uma estranha normalidade, e secreta mantem-se minha dor! Não percebem meu iguais tão diferentes que manco? Que arrasto dificultoso o peso incalculável de uma ausência? Uma falta sem nome, uma ferida por debaixo da camisa, que espada ou revolver nenhum podem fazer! Que sangra e clama em palavras incompreensíveis como uivos de um animal moribundo a volta do desconhecido. Que parte que me falta e me ocupa de vazio? Uma perda indelével me acompanha antes mesmo de mim, e por ela vago solitário com a capa negra do luto, sem um corpo para velar ou fotos para lembrar, mesmo assim sem esquecer nem por um instante...