quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A respeito da Liberdade...!


A Liberdade esse eterno paradigma humano! Essa vontade latente, esse constante buscar, esse inefável pensamento, esse fulgurante criar! E quem sabe no fundo o que ela é? Um Sentimento ou uma Razão? Uma coisa ou uma abstração? Um estado ou será uma condição?
Uma palavra de múltiplas facetas. De inumeráveis semânticas e morfologias, de várias línguas e povos. De diversas ideologias e filosofias, histórias e imaginação, muitas formas e cores, pesos e medidas. Paras uns é azul como o infinito do céu! Para outros, vermelha como o sangue das revoluções e escravidões!
E eu o que posso afinal falar da Liberdade?! Eu mero animal humano, pequenino vivente mortal do universo. O que sabe minha pobre consciência formada de tantos Iluminismos, Darwinismos e Marxismos?!
Eu digo com força da fé! Que o ser humano surge naturalmente provido da Liberdade, e que não me deixe mentir sozinho Rousseau! Porém, por motivos nefastos, o pobre ser humano perde sua Liberdade em seu próprio mundo, dentro de sua casa-alma. E depois, passa á vida toda em busca da desaparecida e amada Liberdade...E digo mais...!
Digo também que, cientificamente falando o ser humano nasce desprovido de Liberdade. Prezo a sua condição animal, biológica e material. Podendo assim ser um lobo ou um macaco ou se no caso de nenhuma outra espécie o amparar, um repolho como Kaspar Hauser. Mas se ele encontra outros humanos, ao longo do tempo ele vai desenvolvendo suas capacidades intelectuais, culturais e espirituais e pouco a pouco constrói sua tão esperada Liberdade.
Contraditória, assim é a Liberdade! E por isso é que essa palavra morre e renasce cada vez que um poeta a pronuncia. Morre e renasce a cada lagrima que escore, em cada boca que braveja, em cada coração que sangra! Pesada como a responsabilidade. Mas tão leve quanto o “ser”. Efêmera como uma escolha. Inalcançável como o Amor Romântico. Mas o que posso afirmar com verdade sobre a tal Liberdade, pulga atrás da orelha da humanidade. É que não há quem possa dizer com certeza se o ser humano há tem, há teve ou ainda há terá!

domingo, 11 de janeiro de 2009

O movimento rumo ao "ser"


Dialogando com minha nova amiguinha intelectual, apesar dos poucos 12 anos de idade, a personagem Paloma do best-seller clandestino “A elegância do ouriço”, cheguei a um pensamento muito interessante de cunho ontológico. Minhas duvidas e preocupações para com a existência me levam constantemente a me questionar sobre o que é o “ser”?
Em determinado momento do livro Paloma começa a observar o movimento dos corpos humanos, aparentemente uma observação comum, porém os olhos da garotinha estão carregados de analises filosóficas. Na cena a garotinha ao lado do pai assiste a um jogo de rugby na TV, e observa de forma extremamente perspicaz as coisas ao se redor: “A maioria das pessoas quando se mexem, bem, elas se mexem em função do que há em torno. Neste exato momento, enquanto estou escrevendo passa à gata Constituion, com a barriga arrastando no chão. Essa gata não tem nenhum projeto de vida constituído, mas se dirige para alguma coisa, provavelmente uma poltrona. E isso é visível pelo seu modo de se mexer: ela vai para. Mamãe acaba de passar na direção da porta de entrada, sai para fazer compras e, na verdade, já está fora, seu movimento se antecipa. Não sei muito bem como explicar isso, mas, quando nos deslocamos, somos, de certa forma, desestruturados por esse movimento para: estamos ali e ao mesmo tempo não estamos ali porque já estamos indo para outro lugar, se entendem o que quero dizer”. Uma observação do movimento digna de uma verdadeira fenomenologista! O que me interessa aqui é trazer essa observação para a questão ontológica, ao moldes existencialistas sartrianos. Paloma está procurando nos movimentos dos corpos humanos e mesmo das coisas um sentido estético sublime que faça parecer que a vida tem algum valor. Sem duvida nenhuma um ideal profundamente nietzscheano. Acho que não preciso dizer o quanto me apaixonei por essa incrível personagem! Vejamos então a continuação da observação de Paloma para que eu possa, então, fazer a minha própria observação. “Para parar de se desestruturar, é preciso parar de se mexer. Ou você se mexe e não está mais inteiro, ou você está inteiro e não pode se mexer”.
Partindo desse exemplo corriqueiro e facilmente imaginável sobre o movimento dos corpos e sobre a desestruturação dos mesmos, penso a questão do “ser”. Se pensarmos bem veremos que o indivíduo humano nunca chega a “ser” verdadeiramente enquanto está vivo. Se entendermos o “ser” como uma continuidade estável. Se definirmos a existência humana como uma constante modificação em direção ao “por-vir” ou nas palavras de Sartre um eterno reinventar de si mesmo, fica claro que estamos longe do “ser”. Isso se da pelo fato de sermos dotados como humanos de uma consciência. Sartre vê a consciência como uma atividade, um movimento em direção ao mundo externo. Em sua ontologia fenomenológica ele define duas formas fundamentais de “ser”, o “ser em-si” e o “ser para-si”. O segundo pertence à consciência humana, é caracterizado pela constante atividade, pela abertura para o mundo e pela capacidade de intencionar as coisas e objetos. O primeiro está relacionado as coisas, é fechado em si mesmo, inerte e opaco, ou seja, totalmente uno e não intencional, mas sim intencionável. Assim sendo, se possuímos uma consciência que é pura atividade e sempre está aberta ao mundo, nosso movimento rumo ao “ser” humano é análogo ao movimento dos corpos descrito por Paloma. Estamos sempre nos desestruturando nesse processo, porque paradoxalmente nós somos e não somos ao mesmo tempo.
Isso me leva inevitavelmente a pensar a nossa relação com o tempo. Se imaginarmos que o presente é um momento indefinido entre o passado e o futuro, chagamos a conclusão de que o presente é totalmente efêmero. Assim eu vejo o “ser”, como uma coisa totalmente efêmera. Tão leve quanto uma pluma que o vento arrasta pelos ares. Quase imperceptível como o orvalho que cai na madrugada e se acumula nas folhas, ou como a maresia que vem do mar. O “ser” é o que sempre passa e nunca fica, o único que fica é o eterno “por-vir” de que tanto falava Nietzsche.
Ao falar sobre o movimento, como já disse anteriormente, Paloma estava pensando sobre Arte, no sentido de valor estético que pode ser atribuído as coisas para que essas pareçam ter algum sentido, ela procura um “motivo existencial” (ver texto do blog com o mesmo nome). Para entendemos isso transcrevo outro fragmento das observações de Paloma, desta vez sobre um jogador de rogby que ela viu na TV fazendo um ritual típico desse jogo chamado haka: “Todo mundo estava hipnotizado por ele, mas ninguém parecia de fato saber por quê. No entanto, isso ficou claro no haka: ele se mexia, fazia os mesmos gestos que os outros (bater as palmas das mãos nas coxas, martelar o chão em cadencia, encostar-se com os cotovelos, tudo isso olhando nos olhos do adversário com ares de guerreiro irritado), mas, enquanto os gestos dos outros iam em direção dos adversários e de todo o estádio que olhava para eles, os gestos desse jogador ficavam nele mesmo, concentrados nele, e isso lhe dava uma presença, uma intensidade incrível... Assim, assisti ao jogo com atenção, procurando sempre a mesma coisa: momentos compactos em que um jogador se torna seu próprio movimentos sem precisar se fragmentar ao se dirigir para.” Paloma chama a atenção para o fato desse jogador se destacar, porque parece que a atividade que ele esta praticando basta-se em si mesma, e isso lhe da intensidade e verdade, ela denomina isso como “movimento imóvel”. E não é assim que deve ser a Arte afinal de contas? A Arte que se basta por si só como valor transcendente da existência humana! Pensemos que quando nos movimentamos alheatoriamente estamos em uma atividade inconstante, fragmentada, desestruturada e sem sentido. No caso de uma dançarina, ela também faz uma serie de movimentos fragmentados e desestruturados, porém ao som de uma música esses movimentos se unem em um todo complexo que da origem a dança, que por sua vez carrega um sentido estético profundo para quem dança e para quem aprecia a dança. Sabendo, portanto que a existência em si não carrega sentido algum, não tem nenhum valor “a priori”. Que mundo em si é um caos completo incontrolável e inexplicável. Percebemos o quanto é dificil não nos perdermos na veleidade do “ser”, e a importancia de buscarmos fazer do movimento da consciência rumo ao “ser” uma dança e não um cambalear tortuoso. Isso é encarar a aventura sem fim da constituição de nós mesmos!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Compaixão


“Há em suma apenas três motivações fundamentais das ações humanas, e só por meio do estimulo delas é que agem todos os outros motivos possíveis. Elas são:
A) Egoísmo, que quer seu próprio bem (é ilimitado);
B) Maldade, que quer o mal alheio (chega até a mais extrema crueldade);
C) Compaixão, que quer o bem-estar alheio (chega até a nobreza moral e a generosidade)” .
(Schopenahuer, Sobre o fundamento da moral).
No ano de 1840, a Sociedade Real Dinamarquesa de Ciências de Copenhague levantou o seguinte questionamento: “A fonte e o fundamento da filosofia da moral devem ser buscados numa idéia de moralidade contida na consciência imediata e em outras noções fundamentais que dela derivam ou em outro principio do conhecimento?”. A fim de respondê-lo o filosofo alemão Arthur Schopenhauer escreveu um tratado filosófico intitulado “Sobre o fundamento da moral”. Pretendo aqui refletir brevemente sobre as idéias schopenhaurianas presentes nesse tratado que apesar de ter sido escrito no século XIX me parece muito útil para se pensar à contemporaneidade. Vivemos em um mundo capitalista de imensas explorações e desigualdades sociais, políticas e econômicas. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico do último século e a grande capacidade produtora das indústrias o mundo ainda é assolado pela fome e pela miséria. Apesar de todo o acumulo de conhecimento cientifico ainda sofremos de intolerância étnica e religiosa, e os conflitos armados matam milhares de pessoas todos os dias, a exploração descontrolada e irresponsável da natureza cada vez mais se agrava provocando catástrofes em todas as partes. Ao pensarmos essa realidade entendemos um pouco o que Schopenhauer queria dizer quando falava de egoísmo e maldade como formas de motivação da ação humana. Aparentemente tais motivações não só existem de sobra como são o que move o nosso sistema. Mesmo imbuindo de pessimismo a filosofia de Schopenahuer convida-nos a pensar o celebre sentimento da compaixão, o que significa, como se manifesta e principalmente qual é seu papel entres as relações humanas e a moralidade.
Ao pensar em compaixão lembra-se logo da filosofia cristã e do mandamento bíblico que diz, “amaras a teu próximo como a ti mesmo”. É inegável que apesar de ateu Schopenhauer tem uma enorme influencia da cultura judaico-cristã, porém em sua posição de filosofo e cientista ele busca desvincular a moral e a ética de conceitos teológicos. Comecemos do principio, para falar sobre o fundamento da moral deve-se compreender o que Schopenhauer entende por moral. A palavra moral vem do latim mores e quer dizer costume, filosoficamente falando moral significa conjunto de valores, regras, costumes e hábitos sociais. Assim sendo moral está diretamente vinculada à ação humana, ou seja, ao agir de um individuo para com outros. Como é de se imaginar a moral esteve presente de formas variadas em todas as formações sociais na história dos seres humanos, por isso ela é um campo muito vasto da filosofia estando sua reflexão presente em todos os grandes pensadores da história. A moral só existe no campo dos relacionamentos sociais, assim sendo Schopenhauer afirma que o contrario de uma ação moral e uma ação egoísta. Uma ação egoísta pode ser definida como uma ação vinculada somente às necessidades do eu, e totalmente desinteressada para com as necessidades de um outro. Portanto para uma ação ganhar valor moral, de justiça e caridade ela não pode ter como motivo imediato nenhum interesse egoísta. Uma ação moral deve levar em conta o bem-estar e o mal-estar de um outro como se esse fosse o meu próprio. Schopenhauer ao pensar em nossa condição animal descobre que a auto-preservação e a auto-satisfação são nossos instintos primordiais, assim sendo o egoísmo. A grande pergunta que se apresenta agora é: como negar o egoísmo sendo ele instinto primordial e agir para com outro como se fosse eu mesmo? É ai que começamos a tratar sobre a compaixão, sendo ela também uma motivação primordial nos seres humanos.
Ao nos percebermos como indivíduos, ganhamos facilmente a noção empírica da diferença entre o eu e o outro, é inegável que os seres humanos carregam muitas diferenças entre si, o que aumenta a separação entre cada um. Isso dificulta ainda mais a pergunta feita no parágrafo anterior, como é possível frente a essa inegável diferença entre os indivíduos agir com o outro como se esse fosse eu mesmo? Para solucionar esse dilema Schopenahuer aponta para a compaixão. Para o filosofo alemão a compaixão está ligada exatamente à destruição dessas diferenças que percebemos entre os indivíduos, ou pelo menos uma diminuição. A compaixão é o sentimento de identificação com a dor alheia, de tal forma que a dor alheia passa a ser sentida como a minha própria dor. Ao sentirmos a dor do outro como nossa própria, diminuímos essa diferença entre o eu e o outro e é ai que surge o verdadeiro valor moral como uma entrega desinteressada ao outro, suprimindo mesmo que parcialmente o egoísmo. A compaixão é o fundamento de toda moral e, portanto, de toda a justiça livre e de toda caridade genuína. A compaixão não pode por sua vez ser induzida artificialmente e externamente, ela provem do interior da alma é um sentimento que se manifesta naturalmente em qualquer ser humano, apesar de que não se manifesta sempre.
Disso pode vir a surgir outro interessante questionamento: porque somente a dor do outro é que gera a compaixão e não o prazer ou a felicidade? Schopenhauer ficou conhecido pelo seu profundo pessimismo existencial, que apesar de ser um tanto quanto radical é muito coerente, se não vejamos. Ele afirma que a dor e o sofrimento são as características principais da existência humana. Como diz o personagem Agamêmnon na tragédia “Ifigênia” de Eurípedes: “Não há entre os mortais um só cuja existência seja perenemente próspera e feliz. Nunca existiu alguém imune ao sofrimento”. Assim sendo Schopenhauer diz que a dor alheia desperta a compaixão porque a dor e o sofrimento são sentimentos positivos que se fazem sentir imediatamente. Enquanto o prazer e a felicidade consistem simplesmente na supressão temporária de alguma carência, portanto sentimentos negativos. É nisto que consiste o fato de que somente a dor, o sofrimento e carência despertam a compaixão e a necessidade de participação frente ao outro, enquanto a felicidade e a satisfação nos são indiferentes por serem estados negativos.
A noção de compaixão como uma forma de perceber a igualdade entre os seres humanos vem na historia da filosofia do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, filosofo iluminista muito apreciado por Schopenhauer. Além disso, toda essa fundamentação da moral na compaixão tem muito haver com a visão cosmológica de Schopenhauer, que acredita que tudo no universo provem de uma força metafísica irracional denominada Vontade. Se tudo que existe não passa de fenômeno dessa Vontade então no fundo todos os seres tem a mesma essência, inclusive os seres humanos. Essa é a fundamentação metafísica que Schopenhauer da a moral e a compaixão, isso é o que marca definitivamente sua ética.
Se pensarmos os dias atuais percebemos que a realidade contradiz os dizeres do velho filosofo. Em nosso sistema capitalista a moral se tornou materialista, e seu fundamento esta na busca de lucro e no acumulo de capital. Nossos principais valores como a competição, o individualismo e o consumismo geram um sentimento de total egoísmo, o que obviamente só agrava mais ainda a desigualdade entre os seres humanos. A ética schopenhauriana nos serve principalmente para pensarmos a relação com o outro. Se grande parte de nossos problemas vem do fato de termos nos tornado tão diferentes a compaixão surge como alternativa para tentarmos perceber o que nos faz iguais e nos uni. As teses de Schopenhauer são compostas por conceitos e idéias de filosofias antiguíssimas dos primórdios da humanidade como o cristianismo primitivo, o hinduismo e o budismo. Todas elas repletas de sabedoria milenar que de uma forma ou de outra sempre valem para as reflexões.
“...A multiplicidade e a separabilidade pertencem somente ao mero fenômeno, e é uma e mesma essência que se apresenta em todos os viventes. Assim, a apreensão que suprime a diferença entre o eu e o não-eu não é a errônea, mas sim a que lhe é oposta. Encontramos esta última indicada pelos hindus pelo nome de ‘Maja’, quer dizer, ilusão, engano, fantasma. Aquele primeiro aspecto é o que encontramos como sendo aquilo que está no fundamento do fenômeno da compaixão e mesmo como a expressão real dele. Seria portanto a base metafísica da ética e consistiria no fato de que um indivíduo se reconhece a si próprio, a sua essência verdadeira, imediatamente no outro”. (Schopenhauer, Sobre o fundamento da moral).