terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Tom Zé e a metafísica das Idéias




De repente, não mais que de repente, eis que entra no teatro o personagem tão esperado. Entrou pelo lado da platéia, estava de jaqueta e calça jeans, ostentando um espírito quase que kantiano foi logo delimitando exatamente o tempo que gastaríamos em nossa conversa, empunhando o relógio nas mãos marcou as horas os segundos e os minutos. Era um homem de estatura baixa, rosto de traços fortes e corpo franzino no alto de seus 72 anos. Vindo de Irara ele traz em sua história ditadura, música, tropicalismo, arte, originalidade, critica, humor, ironias e muita nordestinidade e brasilidade. Em seus olhos se misturava a humildade dos mortais e a grandiosidade dos gênios! Tinha um ar melancólico, digno dos poetas, porém trazia uma esperança verdadeira em suas palavras. Seu ar filosófico às vezes de cientista louco trousse a principio risadas (assim é com tudo que foge ao “normal”). Mas em sua grande experiência, que provavelmente o levou a paciência, suportou as risadas nervosas e com leves e simpáticas criticas conduziu a pequena platéia a encarar com mais seriedade sua proposta de reflexão.
Ostentando com grande propriedade o discurso de alguns pensadores brasileiros como Gilberto Freyre, Darci Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda, Euclides da Cunha (esse último foi citado muitas vezes), que ao longo do século XX buscaram erguer a auto-estima do povo brasileiro valorizando nossa origem mestiça, nossa cultura hibrida e nosso profundo sincretismo étnico. O jovem senhor explicou utilizando elementos históricos a origem da “inventividade” do nosso povo brasileiro. Nosso contato com a riquíssima cultura dos povos árabes do norte da África vem dos portugueses que já eram miscigenados com tais povos desde o século VII a.C, com a invasão mulçumana a península Ibérica. Os árabes sempre tiveram uma cultura cientifica e filosófica sofisticada. Deles, afirmou o músico historiador, vem nossa primeira herança histórica que caracteriza nossa criatividade e capacidade inventiva ante as intempéries da existência.
Tudo isso somente para introduzir o tema principal da palestra, que era a metafísica das idéias (titulo dado por mim e não pelo palestrante). Tom Zé atentou para a importância de valorizarmos nossas idéias, mesmo as menores que parecem não ter sentido algum. Ele levou-me a pensar com mais cuidado em: o que é uma idéia?! De acordo com minhas reflexões, arrisco dizer que uma idéia é uma forte descarga de energia mental, um fenômeno metafísico(no sentido restrito da palavra) de origem obscura e que envolve inúmeros fatores internos e externos do individuo. É como um estalo psíquico, um relâmpago que corta os céus em dias de tempestade. Surge sem aviso prévio, às vezes até contrariando a vontade do ser pensante! A idéia traz em sua constituição primaria à descontinuidade, a fragmentação a fratura, a ruptura com o “normal”, o convencional, o já conhecido e explorado. Sem duvida traz como grande característica a novidade, o diferente o original. E caso seja valorizada e investida pode trazer também a modificação do real. E é nesse ponto que nosso caríssimo palestrante explorou a importância das idéias como instrumentos para os indivíduos que tem pretensões de mudar o mundo em que vivem. A figura de Tom Zé, e esse comentário é dispensável para quem conhece sua obra musical, sempre trouxe a imagem da contracultura, do revolucionário, do rebelde, do questionador, o subversivo, o eterno “cavador do infinito”. É claro que em sua grande experiência Tom Zé advertiu que o mundo é muito grande e complexo para ser mudado de uma só vez, mas garantiu com sua vivencia própria que cada pequena idéia posta em pratica contribuí imensamente para futuras modificações relativamente importantes para a espécie humana. Sem duvida suas palavras se voltaram para os sujeitos inquietos e criativos que não se cansam de reinventar o mundo, os espíritos livres! Em sua apresentação esbanjou juventude física e espiritual, unindo a experiência de um senhor e a liberdade criativa de uma criança!
Pus-me a pensar como surge uma idéia. Imagino que os pensamentos quando por algum motivo são instigados eles abrem trilhas e rumos pela mente, e quando por trama do acaso algumas dessas trilhas se encontram, criando um cruzamento ou vários, eis que do choque repentino se faz à luz! Uma explosão de informações, sentimentos, esperanças, medos, linguagem, raciocínio, vontade de sim e de não. A Idéia, que muitas vezes até parece ter vida própria, às vezes te acalanta e consola, outras te atormenta e angustia.Surge pequenina, raquítica, sem muita expressão, mas quando bem tratada e bem alimentada cresce e se desenvolve forte e transformadora do indivíduo e de seu mundo. Tom Zé exemplificou bem ao citar Santos Dumont, que saiu do Brasil com uma idéia e por investimento próprio e do governo francês criou o avião. O mesmo pode-se dizer de João Gilberto e a Bossa Nova, para ficar nos exemplos brasileiros o que fortificar a argumentação histórica de Tom Zé em relação a nossa inventividade. João veio de Juazeiro com sua violinha no saco sua voz baixinha e seu jeito único de tocar de onde nasce a Bossa Nova. Ritmo que de acordo com o estudo de Tom Zé sobre a Bossa, “inventou o Brasil”. E a Europa e os EUA disseram: “Que povinho audacioso que povo civilizado” De uma Idéia minúscula que a principio parecia até ridícula surge uma verdadeira mudança de perspectivas e o mesmo pode-se exemplificar com a Tropicália também.
A Idéia para Platão é uma entidade metafísica que traz em si toda a verdade, a perfeição e a eternidade. Dela provem tudo que compõe o mundo material e corpóreo, sendo os objetos e seres desse mundo, meras copias imperfeitas ou manifestações fenomenais das Idéias. O velho filósofo levava muito a serio as Idéias, sua metafísica transcendental é questionavel, e assim o foi na história da filosofia, mas e sempre bom lembrar Platão. Melhor do que divinizar as Idéia, como a do filosofo grego, Tom Zé as encarou como coisa humana e imanente e lembrou-nos a importância de levá-las a serio e de encarar a responsabilidade de plantá-las bem, regá-las, dar-lhes tempo de brotar, porque assim uma hora ou outra elas dão frutos. Obviamente não explorei tal tema de forma tão rica quanto Tom Zé, porém me dou ao luxo de inriquesser meu texto com os verso de mais um incrível exemplar de criatividade e espírito artístico da história da cultura brasileira, um nordestino também, nascido na cidade de Pau d'Arco, Paraíba.Finalizo esse despretensioso e corriqueiro ensaio com poesia, afinal não existe nada que os poetas já não tenham dito. Apesar do leve pessimismo digno dos grandes poetas concerteza tal poesia nasceu de uma Idéia e isso colabora com toda a Ideía desse texto.
A Idéia
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!


Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.
(Augusto dos Anjos)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Breve ensaio sobre o Medo


“O medo é uma metáfora?” (Pergunta formulada por Jean-Claude Bernardet em “FilmeFobia”) Parece-me que sim! O Medo é uma metáfora, um símbolo, uma representação, uma mediação entre o inconsciente e o consciente. Como nasce o Medo? Quando passamos por uma experiência traumática, ou seja, uma experiência muito forte que não pode ser automaticamente assimilada por nossa psique, enterramos tal trauma em nosso subconsciente. O trauma se dá por causa do recalque de algum instinto, e é também chamado por Freud de "complexo”. Os “complexos” fazem parte dos processos psíquicos, porém necessitam serem sublimados, ou seja, transformados em energia positiva, criativa e proveitosa socialmente. Quando isso não ocorre o “complexo” ou trauma torna-se Medo. Os traumas são enterramos em nosso subconsciente por um mecanismo de autopreservação que tende a nos proteger de qualquer sensação, sentimento ou lembrança que, por algum motivo, nos ameaça e nos provoca muita dor. Em nossa infância por termos uma estrutura de caráter ainda indefinida e estarmos extremamente abertos e sensíveis às experiências, nos tornamos mais propícios a traumas profundos que provocam marcas na alma. Esses traumas para não nos destruir são enterrados no subconsciente em forma de Medo, presos até que o individuo tenha condições de encará-los, assimilá-los e sublimá-los. Assim se da o processo de transformação do caráter humano. A maturidade se dá quando o indivíduo consegue superar sublimando seus principais medos, sendo esse processo orgânico, instável e repleto de evoluções e involuções. O Medo se manifesta no consciente como uma sensação de profunda repulsa, pavor, desprezo, aversão. Porém o Medo é uma ponte entre os traumas mantidos no subconsciente e a nossa consciência. O Medo é uma metáfora, uma metáfora e uma representação, uma representação é uma coisa que substitui outra coisa lembrando-a. O Medo se constrói no consciente através de processos simbólicos, ligados ao inconsciente e ao contexto histórico e cultural do indivíduo e a sociedade em que foi criado. Objetos, animais, pessoas, lugares ou situações, ganham uma forte carga emotiva dentro do processo de individuação do sujeito, passando assim a serem signos. Por tanto, o Medo é uma metáfora que nos lembra de sensações, sentimentos e lembranças que estão presas no subconsciente e que só podem ser superadas quando encaradas e assimiladas por completo ao nosso ser. Pode-se encarar o Medo como um mecanismo comum a todos os seres humanos, e em níveis diferentes também a alguns tipos de animais. Mecanismo que nos protege e nos lembra de algo inacabado. Como o Medo se torna neurose e como a neurose passou a ser uma enfermidade da alma humana que caracteriza os indivíduos da cultura Ocidental Moderna do século XX? “A neurose não é, costumeiramente, definida como medo da vida, mas é exatamente isso. A pessoa neurótica tem medo de abrir o coração ao amor, teme estender a mão para pedir ou para agredir; amedronta-a ser plenamente si mesma” (Lowen). A Moderna cultura capitalista ocidental iniciou seu processo de formação em meados do século XVI, a partir desse período ocorrerão mudanças sociais, políticas e econômicas que se desdobraram até o século XX, como: o inicio das grandes navegações européias (marca o começo da globalização), a formação dos Estados Absolutistas europeus e dos movimentos nacionalistas, as políticas imperialistas e colonialistas, a formação da economia mercantilista, e a dupla revolução do século XVIII, a Revolução Industrial e a Francesa. No âmbito cultural da formação de novas idéias surgiram o Renascimento Cultural e o Humanismo, seguidos da filosofia Iluminista, a reforma protestante, o desenvolvimento do método cientifico, do modelo cartesiano e da física newtoniana. Além desses movimentos houve também o surgimento do cientificismo, a filosofia positivista de Auguste Comte, a ética utilitarista, o pensamento pragmático, o liberalismo, o marxismo e o evolucionismo de Darwin, marcas próprias do século XIX. Tudo isso forma a cultura ocidental capitalista, cabe agora tentar perceber como isso afetou e se manifestou nos indivíduos do século XX, que herdaram historicamente e culturalmente todos esses discursos da era Moderna. Na Idade Media o ser humano tinha como principal instituição criadora de “verdades” a Igreja católica, por tanto vivíamos em um modelo teocêntrico. No período da Modernidade o ser humano e deslocado para o centro e assim inaugura-se o modelo antropocêntrico. A Idade Media entendida pelos renascentistas e iluministas como um período de trevas por se basear na fé cega e nas superstições passa a ser desprezada. A radical valorização dos ideais greco-romanos traz a tona a Razão como essência humana. A Razão exaltada pelos Iluministas fortifica o espírito cientificista do ser humano transformando a Ciência na principal instituição da modernidade criadora de “verdades”. Assim inicia-se o “Império da Razão”. Os iluministas acreditavam que a luz da Razão iria iluminar todo o mundo livrando o ser humano da ignorância e permitindo-nos controlar toda a realidade ao nosso redor, apesar de serem anticlericais os Iluministas buscavam com a Razão o paraíso na terra e a salvação humana. Mas como afirmou Pascal, pensador do século XVII, existem dois excessos: “excluir a razão, não admitir senão a razão”. Os preceitos iluministas de Razão, Ciência e Civilização se espalharam pelo mundo oprimindo tudo que se opusesse a esses ideais e provocando a destruição e o massacre de outros povos com outras formas de vida (como o ocorrido com as nações indígenas na América). Mas como essa Modernidade afirma o Medo como neurose na contemporaneidade? Os humanos do século XX têm como principal herança da Modernidade o Medo. O medo do outro, o medo do diferente, o medo do desconhecido, do incontrolável, do inexplicável, portanto, o medo de tudo que foge a razão. Ao se abrirem para outros continentes os europeus se depararam com povos muito diferentes e por medo lhes impuseram de forma violenta sua forma de civilização, uma civilização racionalistas, extremamente controladora, violenta e muitas vezes desumana. Por isso o humano do século XX tomado pelos signos da Modernidade, a Razão, o Poder e o Progresso entra em conflito consigo mesmo. “O neurótico está em conflito consigo mesmo. Parte de seu ser está tentando sobrepujar uma outra parte. Seu ego está tentando dominar seu corpo; sua mente racional, controlar seus instintos; sua vontade, superar medos e ansiedades” (Lowen). Como se percebe as palavras “dominação” e “controle” estão presentes na definição do psicanalista Alexander Lowen. É como se a vontade da civilização européia de dominar e controlar os demais povos do planeta tivesse passado para o âmbito psicológico dos indivíduos do século XX, tornando-nos internamente conflituosos e assim neuróticos. O fato da mente racional estar tentando dominar os instintos fortifica a argumentação sobre o Medo, pois tal domínio dos instintos se dá exatamente por medo, pois os instintos são muitas vezes incontroláveis, inexplicáveis e totalmente irracionais. O Medo é o sentimento que está por traz de toda a busca por poder, ordem e controle da Civilização Ocidental Moderna, a neurose e a conseqüência de tal medo exacerbado. Isso se torna ainda mais claro nos versos do poeta.
Congresso Internacional do Medo
(Carlos Drummond de Andrade)
"Provisoriamente não cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.Cantaremos o medo, que estereliza os abraços,não cantaremos o ódio, porque este não existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas."

sábado, 22 de novembro de 2008

O motivo existencial


“A Sanfona é um instrumento mágico, é o corpo musical do artista, sem ela é como se faltasse uma parte do músico. Quem é Gilberto Monteiro? Um homem simples, comum como qualquer outro andando na rua, um homem pacato e até tímido. Mas quando ele toca a sanfona ele se transforma, torna-se grande, imenso como um gigante! Com a sanfona em mãos ele transforma o mundo! Agente fica até com medo de se dirigir a ele, tem que ter muito respeito, tem que se aproximar e pedindo licença para o maestro. Com a sanfona ele deixa de ser um homem comum e passa a ser um gênio!”
(Texto não integral, parafrasedo do filme “O Milagre de Santa Luzia”)


A existência precede a essência, dizem os existencialistas sartrianos. Mas o que é a existência? Será que a existência humana e somente estar vivo e respirando? Acredito que está definição de existência sirva bem para plantas e todos os tipos de animais, mas para o ser humano não é o suficiente. Nossa existência não pode ser resumida a nascer, crescer, se alimentar, reproduzir e morrer. Somos mais do que mera vida orgânica, biológica, somos alma, somos Arte! Sartre afirma que fomos jogados ao mundo sem absolutamente nada, e por isso a existência nos pesa tanto. Mas talvez o que nos pese não seja a existência, mas a falta de existência. Como assim falta de existência? Aqui modifico a noção recorrente de existir. Existir não quer dizer simplesmente estar respirando, existir no sentido humano, me parece, vai além do respirar, quer dizer, existir verdadeiramente como ser humano, criatura-criador, e assumir o papel de Criador. Nietzsche afirma o ser humano como “animal avaliador”, ou seja, animal que cria e aplicar valores as coisas. Quando se assume essa postura passa-se a existir no sentido humano da existência, criativo e artístico.
Mas para tanto é antes necessário que se encontre um valor maior para a existência, um motivo que ampare e fundamente toda a dor e sofrimento que constituem a existência, um sentido maior que nos faça levantar todas as manhas e sentir que a vida vale apena, de que apesar de tudo essa estranha e não optativa vida vale apena ser vivida.
Na primeira noite do festival de cinema de Brasília o longa metragem exibido foi o emocionante, musical, poético e filosófico filme de Sergio Roizenblit intitulado “O Milagre de Santa Luzia”. O filme que basicamente trata da história de Dominguinhos e de toda a riquíssima cultura popular brasileira da sanfona, que envolve diferentes ritmos de diferentes partes do Brasil. O documentário mostra em uma incrível seqüência de imagens a variedade da cultura da sanfona, manifestada de norte a sul do país. Um filme que sem duvida nenhuma explora magnificamente a multiplicidade cultural de nosso imenso país, uma verdadeira afirmação de identidade brasileira. Porém o filme trata de muito mais do que aspectos culturais, para mim ele trata de existência e de Arte. E é nessa perspectiva que irei interpretá-lo aqui.
Só se passa a existir como ser humano quando se assume a postura de ser criador, e insisto, para isso é necessário criar um valor que fundamente a existência. Mas como criar tal valo? É ai que o documentário mais me tocou. Os depoimentos em geral falam exatamente sobre esse valor maior, sobre esse sentido da vida. Dominguinhos e todos os demais sanfoneiros repente o tempo todo que tocar para eles e como viver e que a sanfona e como parte de seus corpos. Eles simplesmente não podem mais viver sem a música, sem a arte, sem suas sanfonas. Esse é o sentido maior que aqueles indivíduos deram as suas vidas. A sanfona como um instrumento mágico que transforma o mundo, esse mundo caótico e imprevisível repleto de forças múltiplas e contraditórias que nos transpassam e perturbam, esse mundo humano repleto de misérias, dor, sofrimento angustias, medo... A magia da sanfona para aqueles indivíduos transforma esse mundo e lhes da um sentido para viver, para superar a dor. Em um momento do documentário o musico Sivuca ao terminar de tocar uma música com Dominguinhos diz: “Isso é um descanso!” Para ele tocar é como descansar, e inegável que viver cansa e dói, por isso é necessário encontrar algo que nos proporcione um descanso, um prazer que faça tudo mais valer apena. Esse filme exalta a música e a arte como formas de dar sentido a existência. É desse sentido que precisamos para existirmos como seres humanos, caso contrario existiremos apenas como seres orgânicos viventes.

domingo, 7 de setembro de 2008

Elogio à Solidão




Perdido em abstrações sem nenhuma finalidade nem objetividade, passo um tempo indefinido em meio à apreciação literária de García Márquez e profundas reflexões sobre a Solidão. A Solidão esta dama misteriosa e taciturna, que esconde sua face púrpura e olhos de cristal sobre negra manta, confundindo-se com a Morte, e trazendo em mãos a tragédia de um destino oculto! Ela a quem a maioria teme e nega, enquanto os filósofos, poetas e profetas dela se enamoram. Que dirá Cristo em seu retiro para o deserto ou Buda em sua profunda meditação ou Caeiro em sua distante vida campestre, que palavras doces proferiram a Solidão para tais ouvidos sábios?!
Os que temem a Solidão são os que temem a si mesmos, pois somente no recôndito do Eu se encontra tal musa, de face ambígua de pavor e deleite. Somente no campo da liberdade é que a Solidão se manifesta verdadeiramente, e é através dela que se pode exercitar a soberania de si mesmo. Às vezes somos governados pelo Amor, outras vezes pelo Ódio e ainda alguns vezes pelo Medo ou pela Inveja. A Solidão é como um elixir de equilíbrio para todos os sentimentos que povoam a alma. Pois é nos pedestais da Solidão, que o sujeito pode erguer-se alto, mais alto que tudo, e da calmaria inebriante das alturas, com um olhar portentoso enfim coroar-se rei de si mesmo, e governar-se em paz! Somente só, é possível aprender a só ser...
O paradoxo da Solidão diz respeito à necessidade intima de estar só para saber estar junto. Conhecer a si mesmo pra assim poder conhecer o outro. No mundo em que vivemos com um sistema tão opressor e controlador a Solidão surge como o único remédio eficaz contra a massificação e a favor da verdadeira autonomia do individuo.
Ó musa da Arte e do pensamento, quero calmamente e longe dos estrondos da existência, deitar minha cabeça em teu colo e clamar minhas dores e meu sofrer, e a cada palavra pronunciada por minha boca uma nova figura se materializa e ocupa uma parte de minha infinitude! Tu és um templo sagrado instalado no fundo da alma, abrigo de paz e descanso onde se pode recomeçar e reconstruir toda a filosofia. Estar só e poder olhar para o vazio interno de si, e compreender que todo esse espaço pode e deve ser espaço de explorarão e criação do Eu. Inúmeras possibilidades do ser. Sei que és sombria e melancólica, e muitas vezes trás em tua companhia o desespero, o abandono e a incompreensão, porem sei o quanto podes ser doce e prazerosa para aqueles que sabem de ti gozar. Amo-te como amo a mim mesmo!Que me sejas apraz e não me deixes sucumbir por teu amor.




"Quem não sabe povoar sua solidão também não sabe estar só no meio da ocupada multidão"
( Charles Baudelaire)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Que Coisa !?!


Fim de semana de tom amarelo desanimo e gosto agridoce. A temperatura de meus dias variou entre a secura da tarde e a chuva morna que gotejou pela noite. Tudo muito “mais-ou-menos”, um sentimento de incompletude me acompanha, de parcialidade, parece que tudo vem pela metade. Vem, mas vem somente uma parte: parte do Amor que poderia ser, parte da Felicidade que poderia ter, parte da Liberdade que poderia usufruir, parte da “Flauta Mágica” que poderia assistir. Tudo sempre em parte, o constante sentimento de que algo sempre fica faltando, alimenta o desassossego de minha existência!
Dias esses que levei ao ritmo contagiante e letárgico de “Coisas” de Moacir Santos. Experiências sonoras únicas, e a cada “Coisa” que ouvia em um novo estado da matéria me transformava. Meu corpo se tornou tão amórfico quanto minha personalidade. Os sons da música criaram um ambiente idílico onde meus ossos e músculos se tornaram gelatinosos com a batida tribal e hipnótica. Senti minhas células e átomos vibrando, pulsando e dançando compassadamente, enquanto meu corpo derretia e escoria da poltrona ao chão do quarto. E já no instante seguinte com os sons múltiplos e harmônicos dos metais, trompete, saxofone, flauta, senti meu ser se esvair pelo ar como fumaça de cigarro, leve e fluida. O trompete tocava uma melodia triste e cotidiana, e meu corpo-fumaça bailava pelo ar, em movimentos simples e desinteressados. E assim sem maiores desgostos e gastos de energia, passaram minhas horas e os dias terminaram e recomeçaram...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008


"Congresso Internacional do Medo" uma peça do gupo Espanca (MG) que assisti no Cena contemporânia desse ano. E com um ideal de reciclagem de idéias eu fiz uma paráfrase:
Em um certo lugar do mundo, em um certo país, em uma certa hora, encontraram-se diferentes sábios de diferentes nações. Filósofos, cientistas, artistas e doutores para discutir os complexos fenômenos da existência. Humanos, homens e mulheres reunidos ao redor de uma mesa expondo seus vastos Conhecimentos sobre a Natureza, as sociedades humanas e o Tempo que as rodeia e altera. Tal evento visto de fora, foi chamado “Congresso Internacional do Medo”. Mas entendido por dentro esse acontecimento poderia definir o Mistério da Eterna procura!
Ali em determinado espaço abstraído da própria realidade, falou-se muito e muito se debateu sobre os problemas fundamentais. Um furacão de Idéias passou por lá! Teorias políticas, filosofias metafísicas, crenças religiosas, místicas e cientificas... Inúmeros discursos, palavras, escritos, verdades e mentiras, eternas e efêmeras criações humanas. A antiga mania de interpretar a realidade através da Ilusão (ou vice e versa). Falou-se de tantos socialismos, liberalismos, evolucionismos, racismos e outros vários “ismos”. Lembrou-se do passado, do Tempo que voa, de tantas histórias, de muitas guerras, misérias, governos, e tantas conquistas gloriosas e invenções estupendas. Arte e Cultura!Falou-se deveras! E no fim do falatório, a boca cansou, e no peito ainda restou um peso profundo. Dos poros escoria um liquido frio cheirando a medo!
E enquanto tudo isso ocorria, fora do Tempo e do espaço, sem maiores perturbações, eis que bailavam ritmicamente em uma dialética cósmica a Vida e a Morte, erguendo aos céus o monumento ao Eterno retorno...! (Magnífica ironia)

domingo, 24 de agosto de 2008

As Horas


Acordo de repente como em um susto. E por um instante me sinto como se acordasse de um pesadelo. Mas ao me levantar e abrir bem os olhos para o mundo, vejo que ainda estou em um sonho. Minha vida! Minha existência! Às vezes penso que ainda não as tenho em minhas mãos. As horas passam e passam... Parecem não me pertencer ainda. Na vida só ficam os anos que foram nossos, as horas que realmente vivemos! E sinto que as minhas ainda não vieram. Estou perdido em um limbo infinito, na inconsciência do ser. Como em uma sala de espera da vida. Esperando, esperando, esperando... E as horas que se passam e passam e passam... Não é ainda minha vida. E em uma dolorosa e angustiante mistura de passividade, medo, e dominação, eu me mantenho parado, imóvel enquanto as horas (que não são meu tempo) passam. E o pesadelo se perpetua. Quando será que acordarei, e enfim farei o meu próprio tempo?! Quando enfim viverei as horas sem a angústia e o tédio de ter de contá-las?...