Era um belo dia de fim de semana, não me lembro bem da hora, mas
também pouco importa, pois lá dentro as luzes fazem o papel de um
sol que nunca se põe, por isso é sempre manhã ensolarada. As
pessoas caminham felizes pelos corredores, com as mãos sempre
ocupadas de pacotes e sacolas de presentes, como se fosse sempre
véspera de natal ou um eterno dia de aniversário. Nos cruzamentos
dos corredores, simulações de praças com banquinhos, fontes e
jardins, com plantas de plástico, mais verdes que o verde, pois
nunca mudam de cor, mais vivas que a vida, posto que são insensíveis
a morte. Nesse pseudo urbanismo tudo foi artificialmente melhorado,
ou camuflado, não há espaço para sujeira ou depredação,
excluiu-se tudo de detestável que ocupa a cidade real e triste lá
fora, não há mendigos ou pombos imundos compondo o ambiente, tudo é
muito asséptico como um hospital particular e forçadamente
confortável. Ali todo o esforço tende a ser minimizado para a
melhor apreciação e acesso aos produtos, amplos estacionamentos
subterrâneos, metros e metros de escadas rolantes, elevadores de
vidro com uma bela vista panorâmica para as enormes estruturas
internas como as de um labirinto. A paisagem é exuberante, painéis
de alta tecnologia cobrem quase todas as paredes trazendo aos olhos
as mais incríveis imagens do mundo,em luz e som, como um sonho
hollywoodiano, pessoas bonitas e saudáveis esbanjando felicidade e
riqueza sem peso de consciência, dúvida ou temor. A vida virtual e
as verdades virtuais. Não há espaço para infelicidade quando tudo
que se precisa esta as mãos por preços razoáveis, com descontos no
cartão em até trezentas mil vezes. A infinitude das vitrines, como
um portal, anunciam a possibilidade de um mundo melhor, ou pelo menos
mais belo. Roupas coloridas da última moda em Paris, aparelhos
eletrônicos japoneses que prometem fazer de tudo um pouco para
servir indiscriminadamente a seus mestres como escravos perfeitos.
Sanduíches e doces a se oferecer promíscuos e obesos, tão
suculentos, inflando a fome insaciável dos olhos. São todos, na
verdade, os arautos que nos convidão a conhecer o interior das lojas
templos para buscarmos neles a completude que nos falta, o tesouro
perdido. Além disso o vidro das vitrines tem ma espécie de efeito
mágico sobre mim, ele permite ver através dele ao mesmo tempo que
projeta meu reflexo no interior da loja. Deslocamento! E como se eu
já tivesse lá! Quando olho uma roupa, por exemplo, não vejo só a
roupa no manequim, vejo a roupa em mim, e por um instante eu já
estou vestindo aquilo que desejo, como se aquilo tivesse sido feito
exatamente para mim, e por isso já me pertencesse por direito,
quando volto a mim desse sonho acordado, sinto meu desejo cão feroz,
e um vazio infindo em meu peito, como se parte de mim tivesse sido
capturada. Caminho sem rumo, extasiado pela enorme quantidade de
informação visual que me transpassa e me livra das preocupações
pessoais, minha atenção mantem-se alerta, pois a cada corredor, a
cada andar, surge de repente uma nova imagem de pura felicidade, que
me atrai como um imã, luzes que me hipnotizam, sons que me embalam
guiando sem que eu percebe meu próprio caminhar, e assim, sem noção
de tempo, entro de loja em loja como quem visita um parque de
diversões. Compro o que posso, o que meu dinheiro permiti, mas o
curioso é que parece que desejo mais ainda o que não posso ter, e
esses objetos de desejo, mesmo não os possuindo, perduram em mim
quando me vou, e depois me fazem voltar, por isso sempre volto, pois
algo parece sempre me faltar. Me sento em um banquinho da praça para
conferir meus cupons de compra, sinto uma sensação de leveza, como
se estivesse meio bêbado. Minha atenção e brutalmente quebrada por
um grito de puro pavor, viro a cabeça e de relance, no canto do olho
vejo um vulto que cai a poucos metros de mim. Mesmo sem saber o que
estava acontecendo já sou tomado por sentimento de medo, mas ainda
estou muito confuso. Percebo imediatamente um tumulto se formando na
praça. Vejo expressões de medo nas pessoas alvoroçadas, algumas
parecem fugir de algo que as enoja. Olho para o chão e vejo que um
estranho liquido vermelho escuro escore em um filete até meu sapato.
Me abaixo e toco levemente com o dedo o liquido, que é viscoso e
quente. Me surpreendo, enojado quando percebo que é sangue. Me
levanto rapidamente, o medo em meu interior só aumenta como uma
balão inchando, preste a explodir. Sou logo contagiado pelo pavor
das pessoas ao meu redor, ainda sem entender bem o porque.
Aproximo-me de um grupo de seguranças que faz uma roda tentando
afastar as pessoas, que por algum motivo se aproximavam curiosas para
ver algo. Também curioso me aproximo, e o terror brota em meus
olhos! Vejo estatelado no chão, envolto por uma enorme poça de
sangue, um corpo humano desfigurado. Os membros entortados , uns
sobre os outros como se fossem de um boneco de pano. A imobilidade
total indicava a morte. Apavorado, e possuído por um sentimento
ainda inominável frente a morte, sinto meus olhos se encherem de
lágrimas, os joelhos começam a tremer incontroláveis, sobe-me pela
espinha um frio glacial, e sinto o estomago revirar por dentro. Jogo
as sacolas e cupons de compra no chão, esqueço-os, eles perderam
completamente o valor. Toda a felicidade anestesiante esvaíram-se
como poeira por meu poros. Seco, murcho! Reencontro-me comigo mesmo,
e me vejo solitário frente ao inevitável incompreensível, sem
amparo, sem destino. Das profundezas emerge a angústia primitiva. O
medo em sólidos calcificados me paralisa. Mesmo querendo correr
para longe, como muitos fizeram (pois a morte se anunciava feito
doença), me mantive ali, e tudo ao meu redor se transformou em
ruínas. Eu também irei...
A Força
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"A ação perfeita é devoção". Li em algum livro de ocultismo da Helena
Blavastky, e nunca me esqueci, no meu coração sentia que era a mais pura
verdade. Des...
Há 7 anos
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