segunda-feira, 18 de junho de 2012

Cupins na cabeça


Todos os dias, ao regressar cansado do trabalho, desanimado e frustrado com sua vida sem graça, Clóvis toma algumas cervejas no boteco da esquina antes de se recolher a sua solidão e repousar em seu minusculo quarto, na pensão da dona Marlene. Uma velha estranha, mistura macabra entre beata e cafetina, pois apesar de seu fervoroso discurso religioso, e o quarto cheio de santos e crucifixos, ela não só aceita como alicia e explora as jovens prostitutas que alugam seus quartos. A velha sovina e já meio delirante, em nada se preocupa com o mínimo de preservação do casarão, que apesar de cheio, aparenta um estado de abandono e imundice. Clóvis evita ao máximo encontrar com a velha, seu olhar medonho lhe metia medo, por isso fica o maior tempo possível na rua, e quando chegava já tarde da noite, ai logo dormir. Quando enfim deitava a cabaça no travesseiro em busca da paz que só no sono se pode encontrar, Clóvis começava a ouvir não se sabe bem de onde, o som dos cupins, a roer a madeira velha e podre do casarão. Talvez nas paredes ou no piso, quem sabe no guarda roupas ou mesmo nas pernas da cama. O fato é que os cupins já não davam sossego ao sono de Clóvis. O som começa baixinho, somente um chiado. Mas ai aumentando gradativamente, como se os cupins se multiplicassem em milhões a cada segundo, e povoassem cada canto do quarto. A cada noite que passava, parecia piorar o ataque dos cupins, o som do roer da medeira se torna quase ensurdecedor, como se um batalhão marchasse dentro de seu quarto. Clóvis sentia que a casa ia cair em cima dele a qualquer instante, frente a devastação provocada pelos cupins que ouvia todas as noite, incansáveis. Mas ele não conseguia entender bem aquele estranho fenômeno, pois já procurara em todos os cantos do quarto as marcas que a fome dos cupins deveriam deixar na medeira, mas nada encontrara. Até fez o enorme esforço de encarar dona Marlene para pedir que dedetizasse a casa, mas essa ignorou-o completamente. A cada noite a fome dos pequenos monstrinhos ia só aumentando. Porém com o tempo, Clóvis até se acostumou com o som, que passou a embalar seu sono tal como um mantra (pois vantagem ou não, o ser humano é capaz de se acostumar as piores condições). O roer constante dos cupins ditava o ritmo que ia transportando Clóvis através de seus pensamentos e memórias, da vigília ao mundo onírico. Mas tudo começa a virar pesadelo quanto a sensação da existência dos cupins, que antes era apenas sonora, passa a ser física. Como se alguma força diabólica houvesse aumentado de tal forma a ferocidade desses insetos, que eles passaram a ter fome de carne, sangue e até de alma. Clóvis sente que além de roerem toda a madeira da casa e dos moveis, os cupins passaram a tacar-lhe o corpo. Começam subindo-lhe pelos pés, entrando por debaixo das unhas e furando-lhe a carne até os ossos, subindo-lhe por dentro das pernas, espalhando-se pelo interior de seus corpo, pelas veis, músculos e órgãos. Ele conseguia até mesmo visualizar a cena dos pequenos insetos esbranquiçados , aos milhos ocupando-lhe as entranhas, transbordando por seus orifícios, cravejados em sua carne putrefata como em uma goiaba podre. Dessa forma passou a acordar todas as manhãs, assustado,banho em suor frio e com terríveis embrulhos estomacais, as vezes até vomitava na cama. O som do roer dos cupins passou a acompanhá-lo em todos os lugares de sua vida cotidiana, na rua, no escritório, no ônibus. Ele já não sabia se aquilo era real ou fruto de sua imaginação. As vezes mal conseguia ouvir seus próprios pensamentos ou o que as outras pessoas lhe diziam, frente ao roer frenético dos cupins em sua cabeça. A ideia de um corpo devorado por dentro, murcho, vazio como um fantoche de pele, assombrava-o. Era uma ideia fixa, que perversamente o perseguia impedindo-lhe de se concentrar em qualquer outra coisa. Ele se tornará desatento, nervoso e constantemente angustiado. A imagem enauseante dos cupins consumindo-lhe a carne lhe provocava enjoos, e mal conseguia se alimentar depois de certo tempo. Em poucos meses Clóvis aparentava uma profunda apatia, a má alimentação lhe deixara muito magro, a insonia lhe mantinha sempre exausto, olheiras fundas, mais parecia um zumbi se arrastando por ai. O chefe da repartição já havia lhe chamado a atenção várias vezes, insistindo que Clóvis devia procurar um médico, pois já não estava rendendo o que se esperava dele.
Um conhecido do trabalho ao perceber o abatimento de Clóvis e seus estado um tanto quanto perturbado, aproximasse amigável no refeitório e pergunta:
- Você não parece nada bem meu amigo, o que tem te acontecido?
- Cupins! Esses malditos bichinhos tem me infernizado,você já teve problemas com cupins?
- Claro! Conheço um produto que é ótimo para matar cupins.
- Talvez seja essa a solução que me resta! (diz com um ar reflexivo e mórbido).

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