segunda-feira, 27 de abril de 2009

Ao Sr.Hashish



Há quanto tempo viestes do Oriente trazendo para nós, materialistas e céticos ocidentais, teus poderes e magias milenares! Concentra em ti, oh substancia viscosa, negra e aromática as forças ocultas da Erva da Natureza! Guardada pela sabedoria das mais antigas civilizações Humanas, trabalhada pelas mãos de sacerdotes, alquimistas e xamãs, és deleite para os que sofrem, és portal para os que buscam!
Com teus surpreendentes efeitos, intrigastes poetas e pensadores, homens da Experiência. E como já afirmou Baudelaire, conquista nossa curiosidade instigando nosso gosto pelo Infinito. O Infinito entendido, não como o absoluto, mas sim como a grandeza incontestável das possibilidades múltiplas da percepção. Para os tolos cegos pelo medo do desconhecido, és substancia maligna que enlouquece e fere a Razão, mas para os que conhecem tua história e sabem de ti aproveitar, és remédio para alma entediada, sedenta pela novidade que a vida cotidiana esconde nas falsas certezas da Razão.
Se falo como Cientista, posso chamar-te de “barômetro espiritual”, instrumento de grande utilidade para medir e analisar os estados da psique, perfeito para os que buscam a difícil harmonia entre os elementos antagônicos que se debatem no âmago de nosso Ser Humano. Se falo como poeta, posso afirmar que és chave para mundos estranhos e distantes, mas que apesar disso se encontram no fundo de nosso próprio peito. És portal sagrado para dimensões etéreas de nosso espírito, guia para a exploração dos Sonhos e da vastidão do Inconsciente. Flor do absurdo que brota na mente e mistura o físico ao espiritual, apurando as percepções e relativizando as sensações corpóreas.
Ao queimar-te com o fumo de meu cachimbo, observo tua fumaça densa desenhar figuras transparentes no ar, imagens que se formam se deformam, se desfazem e se refazem como metáforas ontológicas. Em teu entorpecimento encontramos o prazer, o corpo leve como pluma,a exaltação transbordante da alma inquieta, as pupilas dilatadas aptas a ver o que antes se escondia. De tua doce embriagueis viajamos em sensações ora tão agudas como a lamina de uma espada que abre caminho por entre a mata, ora tão dispersa como se fossemos a própria mata. Teu efeito associado à Arte, Literatura ou Cinema, proporciona delírios e visões tão grandiosas que nos tornam o próprio escritor, ou personagem de filme, viajando por outros tempos, por outras almas e experiências, ganhando novas e variadas existências, que nunca poderiam caber em uma só se não pelos caminhos da transcendência do Tempo e do Espaço que podes provocar.
Oh substancia melindrosa, que transitas entre o pavor e o êxtase, respeito-te e louvo-te, pois sei que no transe que me proporcionas, por mais efêmero que seja muito de dá e muito me tira. O que me dá aceito e agradeço como a um presente dos Deuses, o que me tira não me lamento, pois sei que a perda faz parte do lucro, assim como a Morte faz parte da Vida.

Advertências do poeta: “Que os aristocratas e os ignorantes, curiosos de conhecer prazeres excepcionais, saibam, portanto, que não encontraram no haxixe nada de miraculoso, absolutamente nada do natural excessivo. O cérebro e o organismo sobre os quais opera o haxixe oferecerão apenas seus fenômenos comuns, individuais, aumentados, é verdade, quando ao número e à energia, mas sempre fiéis as suas origens. O homem não escapará à fatalidade de seu temperamento físico e moral: o haxixe será, para as impressões e os pensamentos familiares do homem, um espelho que aumenta, mas um simples espelho”. (Charles Baudelaire)

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