domingo, 7 de março de 2010

Fragmento de uma história amorosa

,então ela abriu a porta e se foi. E de repente o pequeno apartamento de Luiz pareceria um grande deserto árido e frio, onde ele era como uma formiga em meio a imensa solidão. Sentiu uma tonteira repentina, como se por um instante tivesse perdido o apoio, a referência de equilíbrio. Uma forte náusea atacou-lhe. Ele sentou-se no silêncio incomodo e vazio da sala, levando as mãos ao rosto para tentar amparar a cabeça que agora pesará por sobre o pescoço. Sentirá então algumas lágrimas mornas escorrer-lhe dos olhos. Sempre pensara o quanto é intrigante o fenômeno do choro nos seres humanos. Gesto ambíguo, que em determinadas situações pode significar alegria ou tristeza extremas. Mas independente da causa, sem duvida era sinal de algum tipo de deslocamento brusco da alma dentro do corpo, um solavanco, um empurrão, um choque inesperado.
Manteve-se ali naquela sala, por uma pequena eternidade dentro de alguns minutos, sentado, fixo e imóvel, em posição de esfinge, denso, profundo, numa meditação sem começo nem fim que se dava como uma tempestade feroz, que conturbava-lhe as águas do pensamento como um mar em fúria, com ondas gigantescas de dor e desespero. Erguera a cabeça com dificuldades e olhara-se no espelho. Que estranha era sua imagem, turva e sombria, sem contornos definidos. Até parecia que já não se olhava no espelho a séculos e por isso em nada se identificava com aquela figura envelhecida que aparentará ter perdido toda a energia e vivacidade em uma batalha terrível. Já não sabia quem ele era, e só conseguia se lembrar dos detalhes do rosto dela. Sentia como se tivessem arrancado-lhe um pedaço, e o espaço deixado agora enchia-se de ódio e tristeza que lhe envenenavam as veias e inundavam-lhe os pulmões até o sufoca-lo. Todos os poros de seu corpo ardiam em chamas, e em um acesso repentino de ira ele levantou-se e de um grito a um soco violento quebrou o espelho em muitos cacos.
Um pouco aliviado e com sangue escorrendo-lhe por entre os dedos, sentou-se novamente no sofá. A dor do corte na mão não era nada comparada a dor do corte no coração. Aos poucos ele sentia-se regressando a si mesmo, exausto como um viajante que havia conhecido terras distantes da sua e mal se recordava da própria morada. Ele tocava o próprio corpo, como quem investiga se não perdera ou esquecera nada, se não lhe faltava nenhuma parte, se era ele mesmo que ali estava. Logo a tempestade em sua alma aplacou-se tornando-se uma insuportável calmaria. Com a superfície parada como a de um lago sem vento, olhou em suas profundezas procurando em seu Eu perdido alguma explicação para tudo que acontecera.
Como poderia viver agora sem ela, que muitas vezes servia-lhe de perna, braço, olho ou boca? Ela que se aproximará tanto de seu Ser que já ultrapassará as barreiras do ego, suplantando-lhe sua própria alteridade e confundindo-se com ele em corpo e alma, em uma estranha simbiose assustadora e prazerosa. E não é isso que faz o Amor nas pessoas, troca o Eu pelo Nós?! Uma dissolução do Eu no Outro, uma despersonificação, uma doação sacrificial de parte de si, uma prisão voluntária ou como escreveu Camões, “é cuidar que se ganhe em se perder”. O que fazer agora que parte sua fora-lhe arrancada? Gasto todo o ódio em ira explosiva, já não sobrará nada para ocupar-lhe aquele espaço, que se tornara um vazio pesado em seu peito. Reencontrando em sua solidão a si mesmo, ou pelo menos reencontrando o caminho da eterna busca de si mesmo. Luiz rabisca rapidamente em um papel sobre a mesa algumas palavras sobre o Amor que sentira, amor esse que muito o enriquecera mesmo roubando-o. “O Amor é uma traição de si mesmo, é o maior crime contra a liberdade individual, é o perder-se...”
Da um suspiro profundo e se percebe vivo. Não lhe restava mais nada se não tomar um porre que lamenta o fim exaltando o recomeço. Brindando a vida que dói em um estranho sadismo que morde e beija. O que há de se fazer?! É um Sim ou Não...

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