quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Discurso 88

Estou em uma rua de mão única, os lados opostos refletem o mesmo infinito misterioso. O corpo cravado na imanência do agora, vasto e poroso, transpassado de tempo. A frente o amanha, onde vejo as sombras estranhas do ontem. A paisagem abstrata e nebulosa brinca de enganar minha visão vacilante. As imagens imprecisas se transformam de acordo com o vento que me sobra pelas costas da  memória adormecida, despertando fantasmas incongruentes. Se sussurra o vento as lembranças de um mar, de ondas turvas de cor esmeralda, tudo se ilumina com os tons da esperança, e os raios de ouro do sol sobre minha cabeça, desenham histórias de prazeres indeléveis, de amores irrestritos, e posso até sentir o cheiro do calor da vida que arde no rosto e no coração de carne sensível e pulsante. Mas se o que me vem desse mesmo vento de outrora, pesa nas costas da alma como a angústia antiga dos mortos esquecidos,  descobre-se da familiaridade dos dias comuns o elementos bizarro que escapa a razão em tormento. Plantado o temor, desabrocha a rosa de um espírito avarento. E os passos que antes pareciam rumar ao futuro, se voltam para traz, em um andar de curupira, deixando pegadas que apontam para o contrário. E assim descubro que a mesma rua de mão única é agora a contramão de tudo que passou, e se volta novamente ao ponto desconhecido de onde parti para o então... onde o destino irremediável brinca nas linhas casuais do inesperado. E não tarda a surpresa a tocar em meu ombro e desperta de meu sono a vidência de um tempo ainda por vir.

Nenhum comentário: