quarta-feira, 16 de maio de 2012

Discurso 2



                              (Narciso, por Caravaggio)

Busco na imperfeição da memória meu Eu original, aquele que era antes mesmo de eu ser, aquele que tudo podia em sua onipotência inconsciente, autossuficiente, autoerótico, deus em si mesmo! Mas onde ele está? Onde o perdi para sempre, em que momento o abandonei atraiçoando a mim mesmo e condenando-me como Édipo, por minhas próprias forças, a desventura? No auge de minha exuberância parti de minhas terras rumo ao desconhecido do Outro, o amor me convocou na imagem de mulher. Mas nada encontrei se não decepção, abandono e desprezo. Ao regressar a mim, já não me encontrei, minha casa vazia nada mais guardava de meu antigo reino, agora em ruínas. Torno-me assim, peregrino sem rumo, exilado de mim na solidão incomunicável dos homens, na melancolia das horas que me seguem, buscando inconformado o que nunca mais serei. Mirando ao longe a sombra do objeto perdido que recai sobre mim tenebrosa. Agora tomado apenas como resquício idealizado e inalcançável as minhas mãos de mendigo, eternamente faminto. Aprisionado a minha imagem no espelho, ao reflexo da ausência de um outro, ao amor de mim por mim, que me volta feito veneno, feito ódio que me dissipa por dentro, fragmentando-me em Eus sádicos e masoquistas, que se deleitam em uma orgia perversa.

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