quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Neopanteísmo às avessas


O panteísmo é uma doutrina muito antiga, adotada na história em diferentes épocas por distintas correntes filosóficas e religiosas, como os estóicos, epicuristas e depois até alguns iluministas. Também no oriente o panteísmo se aproxima de alguns conceitos da religião budista, entre povos da antigüidade e tribos indígenas na América também havia uma espécie de panteísmo na adoração a natureza. O panteísmo é fundamentalmente a crença espiritual de que deus como ser onipresente esta em todas as coisas existentes, nos seres vivos e nos elementos da natureza. Tudo tem um pouco de deus, e deus é um pouco de tudo. Até mesmo o radical ateu Schopenhauer, desenvolveu em sua filosofia um tipo de panteísmo, ao afirma que a origem de tudo vem de uma força inconsciente e irracional denominada Vontade, que rege o mundo e os seres.
    Pensando racionalmente o panteísmo é talvez a mais coerente idéia sobre a possível existência de deus, pois acreditar em um homem vestido de branco com uma barba enorme sentado em um trono por sobre as nuvens e deveras metafórico para não dizer infantil ou cômico.  O grande problema das religiões  monoteístas é essa imagem de um deus único que se coloca como um criador externo a própria existência, como alguém que só observa o mundo do lado de fora. É difícil  imaginar alguma coisa fora do mundo, já que o mundo é tudo o que conhecemos (em parte), afinal se ele fica fora do mundo então não participa dele, e se fica fora, fica aonde, no espaço, na lua, no sol?  No panteísmo deus ganha a forma de um tipo de substancia invisível que permeias as coisas, e assim é mais fácil de imaginar como ele age. Podemos afirmar o panteísmo até dentro das noções cientificistas, por exemplo, toda forma de vida conhecida até agora compartilha de  do elemento carbono, talvez ele pudesse ser deus, ou mesmo o oxigênio que transita por toda parte sem ser visto, talvez seja ele deus. É claro que com isso não quero dizer que a problemática de deus seja uma questão de comprovação racional, lógica ou cientifica, bem sei que é uma questão de fé (fé entendida como a crença em algo possível, sentido, mas não comprovável, o pulo no escuro. E isso não se restringe só a questões religiosas, por exemplo, o amor ou o medo são coisas conhecidas e sentidas, mas não podem ser efetivamente comprovadas).
    Como ateu convicto, mas curioso sobre as questões metafísicas, desenvolvi para minha  filosofia pessoal um certo conceito a respeito da existência de deus. Claro que não acredito em deus, e nem mesmo gosto muito dessa palavra, que esta deveras carregada, historicamente falando, de sentidos ligados ao cristianismo (no meu caso que sou um brasileiro ocidentalizado) e a idéia de um ser todo poderoso, superior, bondoso e julgador. O que realmente me faz adotar o ateísmo não é em si a descrença em um deus, mas sim a impossibilidade dentro da minha filosofia de associar a liberdade criadora e autotransformadora do homem-artista com a existência de um ser que me governe conscientemente e que decide sem minha consulta o que seja o bem e o mal. A própria idéia de livre arbítrio já foi superada, pois o livre arbítrio é a possibilidade ou a grande caridade de deus em seu espirito democrático, de permitir que nós seres humanos escolhamos entre o bem e o mal. Isso não é liberdade! Liberdade criadora diz respeito a possibilidade não de escolher entre um bem e um mal já predefinidos, mas sim criar o que venha a ser o bem e mal. A idéia de deus nasceu na mente do homem primitivo como uma necessidade de explicar os fenômenos da natureza e ocupar o enorme espaço deixado em nosso espírito por nosso desconhecimento. Mesmo entre os gregos antigos, seus múltiplos deuses eram arquétipos mitológicos em forma humana, não que eles realmente acreditassem nisso, mas sendo um povo essencialmente artístico, tinham a necessidade de explicar o mundo através de narrativas e mitos que consolidavam sua cultura e mediavam sua relação com a natureza e com sigo mesmos. Assim sendo admito a importância de deus na história do pensamento humano, mas a verdade é que ele esta morto (como afirmou Nietszche) e precisamos de novas idéias que ocupem seu lugar. 
    Por isso criei a minha própria idéia de deus, partindo de algumas leituras existencialistas, filmes do Bergman e em especial de uma frase muito intrigante da filosofa francesa Simone Weil: “Deus só pode estar presente na criação sob a forma de ausência”. Acredito seriamente na Ausência, no Vazio, no Nada, até porque sinto isso no fundo da alma, a necessidade de ocupar a mim mesmo, minha imensidão intima me assombra. Como diz o Bachelard, a imensidão é uma categoria filosófica, pois como pensar geometricamente em um espaço que se estende ao infinito, que nunca pode ser totalmente ocupado ou mesmo observado, somente  vislumbrado. “O mundo é grande, mas em nós ele é profundo como o mar”(Rilke). Dessa profundeza intima, desse vazio incomensurável nasce a Angústia, a necessidade de tentar ocupar-se a si mesmo. Assim sendo se deus existe mesmo ele é o Nada, ele é a Ausência que esta está em tudo, como a substancia invisível do panteísmo, só que pelo avesso. Tudo que existe traz uma dose de ausência, um espaço vazio que permiti a constante transformação. Se deus existisse como  presença ele seria tudo, e não haveria espaço para mais nada. Sendo ele Ausência ele permiti que as coisas existam e  se transformem. Deus é por tanto, a possibilidade do Ser.  
“Deus está em toda parte, mas tão disfarçado que é como se não estivesse”. (Drummond)

Um comentário:

Anônimo disse...

lindo...