quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Arte e Vida

Quando penso em arte, de forma geral, uma das questões que mais me intriga é como a arte, a principio  uma  artificialidade, se relaciona com a vida? Como a arte, que é uma mentira, uma ilusão, pode se tornar real, pode se tornar verdade, pode se tornar viva?
    No filme “Cisne Negro” do diretor Darren Aronofsky, a personagem Nina Sayers (Natalie Portman), uma bailarina, vive um intenso e assustador drama psicológico que transita entre sua vida pessoal e sua carreira artística. Ao ser escolhida para interpretar  o cisne branco e o negro na peça de Tchaikovsky, ela inicia um processo de criação de personagem que acaba por ultrapassar as barreiras da sanidade e trazer das profundezas de sua alma seus instintos e desejos mais tenebrosos. Dentro da narrativa do filme, como em uma analise psicanalítica, não há distinção entre a realidade e o delírio, tudo ocorre dentro da mente da personagem, que vive duplamente dilacerada. Por um lado em sua vida intima, entre a extensão de sua infância e seus desejos de mulher, e ao mesmo tempo em sua vida artística, entre sua perícia técnica e seu impulso criador. 
    Nina é uma jovem doce, meiga e frágil, de uma beleza luminosa e um talento provindo da dedicação e do esforço. Mas ao ser desafiada pelo diretor de sua companhia de bale a interpretar o cisne negro, entra em contradição com sua própria personalidade. A peça “O Lago dos Cisnes”  conta a história de uma princesa que enfeitiçada  se torna um cisne branco,  e passa a esperar o amor perfeito para se libertar, mas quando enfim surge o príncipe ele é seduzido pelo cisne negro, terminando a história da princesa em um  trágico suicido. Nina é a exata imagem do cisne branco, tanto em sua vida pessoal como na profissional. Na vida pessoal ela é a imagem da pureza virginal, oprimida pela superproteção da mãe, que a mima e controla de uma forma amorosamente perversa, mantendo-a presa a um ambiente infantilizado, privando-a de qualquer intimidade e privacidade com seu próprio corpo, ela reluta contra o desejo sexual que arde em seu interior. Em sua vida profissional ela encarna o apolíneo da arte, técnica, controle, configuração exata de gestos e formas, harmonia, beleza. Mas para interpretar o cisne negro ela necessita do dionisíaco,  o extase, a paixão, o desejo, o instinto.
     Nina, que se realiza ao conquistar o papel principal da peça, passa a viver uma paranóia com sua concorrente, a sexy Lily (Mila Kunis). Uma mistura perturbadora entre desejo e ódio. Lily passa a representar a imagem do cisne negro, sedutora, impetuosa e espontânea. Ela é tudo o que Nina não é e ao mesmo tempo tudo que ela quer ser. A personagem Beth Macintyre (Winona Ryder), antiga estrela da companhia, substituída, simboliza os maiores temores de Nina. Ela é a perfeição em decadência, os símbolo da autodestruição e do abandono, ainda mais depois de um terrível atropelamento  que a deixa praticamente aleijada. Nina há tinha como um exemplo de beleza, mas passa a teme-la ao ver quais as conseqüências de sua impetuosidade e agressividade, que a levam a um estado deplorável. 
    A narrativa do filme  tensa e angustiante,  traga pouco a pouco o espectador para dentro do drama de Nina, que assombrada por seus medos e ao mesmo tempo tomada pela obsessão do papel do cisne negro, começa a quebrar todas as barreiras racionais que separam arte e vida. O diretor se serve do elemento do bizarro e da estranheza para materializar a metamorfose psicológica vivida por Nina em algo corpóreo. Assim ela inicia uma espécie de mutação entre a mulher e o cisne negro. Esse elemento da ao filme algo de extremamente tátil e sensitivo, quase se pode sentir na pela as mutações do corpo de Nina, a pele que se solta, as penas que nascem, os ossos que se modificam. O suspense inquietante, carrega elementos de terror, que surgem nas visões de Nina tal qual fantasmas, desde a perseguição de seu reflexo nos espelhos, até cenas de sexo e assassinato com a concorrente Lily.
    O desfecho do filme revela Nina como uma artista em plena ascensão e declínio, do ápice de sua magnifica apresentação, a sua própria autodestruição, vigor e morte. Nina sublima seu próprio Ser atingindo a perfeição de sua obra e pagando com a vida por sua ousadia extrema e sua loucura divina.
    O que é a arte enfim, senão a experiência da vida, entendida pelo filosofo Dewey como a relação entre o homem e seu mundo? A verdadeira obra  de arte  é a experiência do artista materializada, e essa obra só pode sobreviver ao tempo quanto é revivida na experiência do fruidor, ou do interprete no caso de Nina, que revive em seu próprio drama pessoal a história criada a tornada música e dança por Tchaikovsky. O drama humano que se repete por entre os séculos, a batalha simbólica e espiritual entre a luz e as trevas, consciente e inconsciente, amor e morte, tudo isso se manifestou na obra “Lago dos Cisnes” , tudo  revive no filme “Cisne Negro”, na personagem de Nina, nos olhos e  corações dos que desfrutam. Será que por isso as verdadeiras obras de arte são vistas como imortais? Nietzsche nos diz no prefacio de leu livro “O Nascimento da Tragédia” que esta convencido de que a arte é tarefa suprema e atividade propriamente metafísica da vida. Tarefa suprema porque permite transcender a nós mesmo em um  ato de autotranformação e autocriação, o homem deixa de ser artista e se torna obra de arte. Atividade metafísica porque a arte sendo uma mentira trata de uma verdade através de uma representação ou mímeses, assim ela é capaz de inverter os valores de verdade e mentira.  A mentira que convence o mentiroso se torna a mais poderosa verdade, a Arte!

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