quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Vítima da Solidão



De repente eis que desperta assustado com um grito! Mais não um grito ouvido e sim um grito sonhado, que no fundo não tem diferença alguma. Os olhos arregalados pouco a pouco vão identificando as formas dos objetos no quarto escuro. O suor gelado escore-lhe pela face, o corpo treme, sente o coração palpitar tão rápido como se quisesse fugir do peito. Que dia era que mês? Não se recorda, menos ainda há quanto já estava ali dormindo, parecia que já haviam passados anos sem acordar, e ainda assim tudo permanecia igual. Atordoado pelo pesadelo que não se recordará bem, a não ser pelo gosto amargo de medo que ficou impregnada no pensamento, resolve se levantar. Olha ao redor. Todo o minúsculo apartamento de dois cômodos estava revirado como se ali passará a pouco um tufão. Roupas sujas cobrindo a pouca mobília, livros espalhados em pilhas desorganizadas pelo chão, as plantas mortas na janela por falta de luz e água e o cheiro forte que exalava da pia da cozinha repleta de pratos sujos e restos putrefatos de comida chinesa. Com a boca seca alcança na escrivaninha entre as latas vazias de cerveja uma garrafa de vodca barata, onde ainda restava um último trago. Só depois de sentir o gosto forte da vodca descendo pela garganta e que ele realmente percebe que está acordado e vivo, ou pelo menos meio vivo! A vida só se pode definir pelas sensações que proporciona, principalmente pela dor que é a prova da vida material. Com a mente ainda turva de pensamentos e imagens estranhas e desconexas, apanha um cigarro meio fumado no cinzeiro entupido de cinzas e bitucas e acende. Empurra paro o chão uma pilha de roupas que estavam encima da poltrona e se senta buscando na memória vaga alguma explicação para tamanha decadência. Enquanto fuma lentamente, fixa sua atenção na aresta superior entre a parede e o teto do quarto, onde uma pequena aranha em sua casa de teia acaba de capturar uma mosca e se prepara para devorá-la. Aquela cena simplória e quase insignificante a qual ele observa por um tempo indeterminado que não caberia nos ponteiros de um relógio, lhe atinge como um dardo que rasga o esquecimento e libera emoções perdidas ou escondidas na memória. E automaticamente a palavra Existência lhe vem na mente, por um instante ele se recorda de seus antigos estudos de filosofia, e sussurra para si mesmo: “Existir significa nascer e morrer, um movimento de eterno retorno, vazio e sem sentido ante a imensidão infinita do universo”. Novamente ele sente a prova de que está realmente vivo. Numa distração ele queima seu dedo com o cigarro, e mais uma vez a dor se lhe apresenta, fraca sim, mas análoga a tantas outras que ele já sentira dilacerando sua alma. Ou haverá alguma diferença entre a brasa que queima apela e o Amor que arde no coração, ou a Angústia que perfura fundo a alma do homem?! Caminha até o banheiro, quer ver sua face no espelho. Olha-se e não se reconhece! A barba grande, os cabelos desgrenhados, as olheiras fundas, a pele pálida quase sem expressividade, o rosto magro e ossudo. “Quem é afinal esse que se apresenta no espelho?!” Se pergunta sem resposta. “Eu não posso ser; no máximo é meu cadáver que insiste em vagar por esse mundo”. Desconcertado pela imagem de sua própria morte, em um movimento brusco ele quebra o espelho com um soco e sente seu sangue viscoso escorrer por entre os dedos. Agora o espanto e ainda maior, seu corpo parece lhe dizer que ele ainda está vivo, mas ele sente um Vazio no peito que lhe prova que sua alma dali já se foi. Ele resolve se deitar novamente, mas o medo lhe presenteia com a insônia. Na cama ele fica de olhos bem abertos ouvindo os passos de fantasmas e demônios que o espreitam pelo apartamento. As lagrimas lhe correm dos olhos para o rosto compulsivamente, e ele já nem se lembra mais o que lhe faz chorar, mas sente-se incapaz de parar. Levanta-se novamente e pensa em abrir a janela, talvez gritar por socorro. O medo lhe congela os braços e o máximo que consegue é observar pelas frestas da janela a rua deserta. Já devem ser altas horas da madrugada, madrugada que para ele parece nunca ter fim. Ele olha com estranheza a rua lá fora, como se fosse um estrangeiro e sente um absurdo desapego a toda e qualquer coisa. Cai uma chuva leve por sobre o asfalto, essa cena se perpetua como se o tempo houvesse morrido. De manhã com o nascer do sol a policia arromba a porta do apartamento, e o encontra sentado inanimado no chão ao lado da janela fechada. E nos jornais se publicam a manchete: “Morreu hoje em seu apartamento mais uma vítima da Solidão”.

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