terça-feira, 4 de agosto de 2009

Crônica Urbana III: Fui na esquina comprar "pão"



Ainda de dentro do carro ao longe percebi o movimento, que pode ser discreto a olhos desavisados, mas sem dúvida nenhuma é descarado aos olhos de quem sabem procurar. É interessante perceber isso, pois o mercado negro funciona basicamente como o comércio convencional, vendedor, clientes, produto, dinheiro... A peculiaridade dessa forma ilegal de comércio é o fato de que ele deve ser visível para uns e invisível para outros, a verdade é que quem procura sabe onde achar, e mesmo os agentes da lei sabem achar, mas quando estes não estão envolvidos com os vendedores caiem na hipocrisia comum e fingem que não estão vendo nada. Acho que só não sabe quem realmente não quer saber. E isso é até aceitável já que esse submundo não é nada agradável. A identificação rolou pelos olhares trocados rapidamente entre consumidores e fornecedores. Eles, os fornecedores, são gente experiente na área, conhecem o tipo certo de seus clientes de longe, não que exista um único estereotipo para esse tipo de gente, na verdade existem muitos e ainda assim não comportam toda a multiplicidade indefinível de consumidores que variam desde um senhor de meia idade e suéter de lã, até um adolescente de moicano verde. A coisa acontece mesmo é pelo olhar, pelo movimento, um sacando os interesses do outro.
Passamos uma única vez de carro na frente da comercial, e isso foi o suficiente para entendermos que ali tinha o que queríamos. Estacionamos no fim da rua e subimos caminhando lentamente. A rua estava cheia, era o lugar perfeito para esse tipo de compra, cheio de bares e boates. Indiscutivelmente em qualquer lugar do mundo onde há juventude e álcool há também todos os outros adereços para a diversão. É tão obvio perceber a ligação do álcool com todas as outras drogas que chega a ser engraçado o fato de que o álcool é legal e as outras ilegais. Paradoxo ou hipocrisia social?! Em meio às pessoas que transitavam e bebiam por ali percebemos e fitamos de longe os agentes do narcotráfico, eram três tipos espalhados pelo estacionamento. Como percebê-los é fácil, normalmente se passam por vigias de carro, meio hippes, meio mendigos, meio traficantes... Um deles se aproxima sabendo bem o que queríamos, do branco ou do preto ele pergunta. Era alto e magro como um esqueleto, de pele morena cabelos e barba desgrenhados, bermuda, camiseta e chinelos. Seu olhar mal encarado parecia dizer que ele era capaz de matar qualquer um por pouca coisa, talvez isso não seja bem a verdade, mas sem dúvida queria dizer que ele tinha uma vida dura e perigosa e disso acho que ninguém pode duvidar. Vinte do preto, dissemos há ele, esse tipo de compra é feita por códigos, às palavras tem de ser poucas e o movimento rápido, dinheiro em uma mão produto em outra. É claro que toda essa precaução não evita com que todos que passem percebam o que esta sendo comercializado, as pessoas sabem e até fazem fila esperando sua vez, como em qualquer shopping. Nós o acompanhamos até a parte de traz do comércio, um lugar escuro e com forte cheiro de urina, esse é o ambiente característico. Às vezes paro para pensar que aqui no Brasil tudo podia ser como na Holanda, por exemplo, você entra em um coffee shop escolhe a dedo o que vai fumar paga, fuma, pode até beber alguma coisa enquanto ouve uma música ou conversa com um amigo. Ah isso que é um país verdadeiramente capitalista! Proibir as “drogas”, que nada! Se tiver quem compre sempre haverá quem venda, proibido ou não. Enquanto aqui, entre os flagelados da globalização, nos afundamos em repressão e preconceitos arcaicos que só alimentam cada vez mais o mercado negro e a violência! E além de tudo somos nós os grandes fornecedores dos holandeses, ou seja, a um valioso produto internacionalmente apreciado que nós produzimos e vendemos, mas a grana acaba nas mãos de uns poucos mega-empresarios do narcotráfico, e nada sobra para o país que ainda acha lindo quando alguns governadores colocam batalhões e mais batalhões de policia para prender gente nas ruas e favelas e periferias, repressão jamais resolveu problema nenhum, só aumenta a violência. Afinal o narcotráfico gera empregos, e se for pela violência que ele é proibido, convenhamos,fabricas de armas provocam muito mais violência, então porque não às fechamos primeiro?! Assunto longo e controverso, eu sei...!
O sujeito retirou um pacote de uma vala aberta por detrás de uma loja, ratos e baratas eram só um detalhe da paisagem urbana. O submundo tem de ser asqueroso, escuro, perigoso, tudo isso leva um ar de mistério que me atrai, mas confesso que preferia um produto mais higiênico. Ele nos entrega nossa parte e recebe sua grana, tudo se finda em poucos minutos. Alguns dias depois vejo no jornal que uma batida policial prendeu traficantes de drogas nessa mesma rua, provavelmente nosso fornecedor há essa hora esta em cana, que importa isso paro o narcotráfico? Que importa isso para a sociedade? Mais um ou menos um não faz diferença, de onde veio esse infeliz existem milhões de famintos prontos para fazer o que for necessário para conseguir um pouco do que o mundo exige e nega a eles. Será que é assim que se resolve um problema social, proibindo determinado produto com a ridícula desculpa de que ele faz mal a saúde, e prendendo os que vendem para sobreviver?! Por de trás de tudo isso existe um sistema globalizado, cruel e explorador que gera milhões e move o mercado capitalista. Tolice é achar que por ser ilegal esse sistema se diferencia do restante, as diferenças existem, mas no fundo é a mesma coisa, poucos ganham muito e muitos ganham à marginalidade e a miséria!

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