terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Tom Zé e a metafísica das Idéias




De repente, não mais que de repente, eis que entra no teatro o personagem tão esperado. Entrou pelo lado da platéia, estava de jaqueta e calça jeans, ostentando um espírito quase que kantiano foi logo delimitando exatamente o tempo que gastaríamos em nossa conversa, empunhando o relógio nas mãos marcou as horas os segundos e os minutos. Era um homem de estatura baixa, rosto de traços fortes e corpo franzino no alto de seus 72 anos. Vindo de Irara ele traz em sua história ditadura, música, tropicalismo, arte, originalidade, critica, humor, ironias e muita nordestinidade e brasilidade. Em seus olhos se misturava a humildade dos mortais e a grandiosidade dos gênios! Tinha um ar melancólico, digno dos poetas, porém trazia uma esperança verdadeira em suas palavras. Seu ar filosófico às vezes de cientista louco trousse a principio risadas (assim é com tudo que foge ao “normal”). Mas em sua grande experiência, que provavelmente o levou a paciência, suportou as risadas nervosas e com leves e simpáticas criticas conduziu a pequena platéia a encarar com mais seriedade sua proposta de reflexão.
Ostentando com grande propriedade o discurso de alguns pensadores brasileiros como Gilberto Freyre, Darci Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda, Euclides da Cunha (esse último foi citado muitas vezes), que ao longo do século XX buscaram erguer a auto-estima do povo brasileiro valorizando nossa origem mestiça, nossa cultura hibrida e nosso profundo sincretismo étnico. O jovem senhor explicou utilizando elementos históricos a origem da “inventividade” do nosso povo brasileiro. Nosso contato com a riquíssima cultura dos povos árabes do norte da África vem dos portugueses que já eram miscigenados com tais povos desde o século VII a.C, com a invasão mulçumana a península Ibérica. Os árabes sempre tiveram uma cultura cientifica e filosófica sofisticada. Deles, afirmou o músico historiador, vem nossa primeira herança histórica que caracteriza nossa criatividade e capacidade inventiva ante as intempéries da existência.
Tudo isso somente para introduzir o tema principal da palestra, que era a metafísica das idéias (titulo dado por mim e não pelo palestrante). Tom Zé atentou para a importância de valorizarmos nossas idéias, mesmo as menores que parecem não ter sentido algum. Ele levou-me a pensar com mais cuidado em: o que é uma idéia?! De acordo com minhas reflexões, arrisco dizer que uma idéia é uma forte descarga de energia mental, um fenômeno metafísico(no sentido restrito da palavra) de origem obscura e que envolve inúmeros fatores internos e externos do individuo. É como um estalo psíquico, um relâmpago que corta os céus em dias de tempestade. Surge sem aviso prévio, às vezes até contrariando a vontade do ser pensante! A idéia traz em sua constituição primaria à descontinuidade, a fragmentação a fratura, a ruptura com o “normal”, o convencional, o já conhecido e explorado. Sem duvida traz como grande característica a novidade, o diferente o original. E caso seja valorizada e investida pode trazer também a modificação do real. E é nesse ponto que nosso caríssimo palestrante explorou a importância das idéias como instrumentos para os indivíduos que tem pretensões de mudar o mundo em que vivem. A figura de Tom Zé, e esse comentário é dispensável para quem conhece sua obra musical, sempre trouxe a imagem da contracultura, do revolucionário, do rebelde, do questionador, o subversivo, o eterno “cavador do infinito”. É claro que em sua grande experiência Tom Zé advertiu que o mundo é muito grande e complexo para ser mudado de uma só vez, mas garantiu com sua vivencia própria que cada pequena idéia posta em pratica contribuí imensamente para futuras modificações relativamente importantes para a espécie humana. Sem duvida suas palavras se voltaram para os sujeitos inquietos e criativos que não se cansam de reinventar o mundo, os espíritos livres! Em sua apresentação esbanjou juventude física e espiritual, unindo a experiência de um senhor e a liberdade criativa de uma criança!
Pus-me a pensar como surge uma idéia. Imagino que os pensamentos quando por algum motivo são instigados eles abrem trilhas e rumos pela mente, e quando por trama do acaso algumas dessas trilhas se encontram, criando um cruzamento ou vários, eis que do choque repentino se faz à luz! Uma explosão de informações, sentimentos, esperanças, medos, linguagem, raciocínio, vontade de sim e de não. A Idéia, que muitas vezes até parece ter vida própria, às vezes te acalanta e consola, outras te atormenta e angustia.Surge pequenina, raquítica, sem muita expressão, mas quando bem tratada e bem alimentada cresce e se desenvolve forte e transformadora do indivíduo e de seu mundo. Tom Zé exemplificou bem ao citar Santos Dumont, que saiu do Brasil com uma idéia e por investimento próprio e do governo francês criou o avião. O mesmo pode-se dizer de João Gilberto e a Bossa Nova, para ficar nos exemplos brasileiros o que fortificar a argumentação histórica de Tom Zé em relação a nossa inventividade. João veio de Juazeiro com sua violinha no saco sua voz baixinha e seu jeito único de tocar de onde nasce a Bossa Nova. Ritmo que de acordo com o estudo de Tom Zé sobre a Bossa, “inventou o Brasil”. E a Europa e os EUA disseram: “Que povinho audacioso que povo civilizado” De uma Idéia minúscula que a principio parecia até ridícula surge uma verdadeira mudança de perspectivas e o mesmo pode-se exemplificar com a Tropicália também.
A Idéia para Platão é uma entidade metafísica que traz em si toda a verdade, a perfeição e a eternidade. Dela provem tudo que compõe o mundo material e corpóreo, sendo os objetos e seres desse mundo, meras copias imperfeitas ou manifestações fenomenais das Idéias. O velho filósofo levava muito a serio as Idéias, sua metafísica transcendental é questionavel, e assim o foi na história da filosofia, mas e sempre bom lembrar Platão. Melhor do que divinizar as Idéia, como a do filosofo grego, Tom Zé as encarou como coisa humana e imanente e lembrou-nos a importância de levá-las a serio e de encarar a responsabilidade de plantá-las bem, regá-las, dar-lhes tempo de brotar, porque assim uma hora ou outra elas dão frutos. Obviamente não explorei tal tema de forma tão rica quanto Tom Zé, porém me dou ao luxo de inriquesser meu texto com os verso de mais um incrível exemplar de criatividade e espírito artístico da história da cultura brasileira, um nordestino também, nascido na cidade de Pau d'Arco, Paraíba.Finalizo esse despretensioso e corriqueiro ensaio com poesia, afinal não existe nada que os poetas já não tenham dito. Apesar do leve pessimismo digno dos grandes poetas concerteza tal poesia nasceu de uma Idéia e isso colabora com toda a Ideía desse texto.
A Idéia
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!


Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.
(Augusto dos Anjos)

2 comentários:

Anônimo disse...

Num sei se é porque essa imagem no momento se aconchega tão bem no meu coração ou se é porque é isso mesmo...a idéia é um relâmpago né!
que racha tudo treme o chão, faz transformação. Acho que o mais difícil é levar as idéias à sério sem achar que estou alucinando...nesse caso a arte sempre ajuda muito...

Habitante disse...

"Não, ninguem faz samba só porque prefere
Força nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criação
Não, não precisa se estar nem feliz nem aflito
Nem se refugiar em lugar mais bonito
Em busca da inspiração
Não, ela é uma luz que chega de repente
Com a rapidez de uma estrela cadente
Que acende a mente e o coração
É faz pensar que existe uma força maior que nos guia
Que está no ar
Bem no meio da noite ou no claro do dia
Chega a nos angustiar
E o poeta se deixa levar por essa magia
E o verso vem vindo e vem vindo uma melodia
E o povo começa a cantar"
Paulo cesar pinheiro