domingo, 7 de dezembro de 2008

Breve ensaio sobre o Medo


“O medo é uma metáfora?” (Pergunta formulada por Jean-Claude Bernardet em “FilmeFobia”) Parece-me que sim! O Medo é uma metáfora, um símbolo, uma representação, uma mediação entre o inconsciente e o consciente. Como nasce o Medo? Quando passamos por uma experiência traumática, ou seja, uma experiência muito forte que não pode ser automaticamente assimilada por nossa psique, enterramos tal trauma em nosso subconsciente. O trauma se dá por causa do recalque de algum instinto, e é também chamado por Freud de "complexo”. Os “complexos” fazem parte dos processos psíquicos, porém necessitam serem sublimados, ou seja, transformados em energia positiva, criativa e proveitosa socialmente. Quando isso não ocorre o “complexo” ou trauma torna-se Medo. Os traumas são enterramos em nosso subconsciente por um mecanismo de autopreservação que tende a nos proteger de qualquer sensação, sentimento ou lembrança que, por algum motivo, nos ameaça e nos provoca muita dor. Em nossa infância por termos uma estrutura de caráter ainda indefinida e estarmos extremamente abertos e sensíveis às experiências, nos tornamos mais propícios a traumas profundos que provocam marcas na alma. Esses traumas para não nos destruir são enterrados no subconsciente em forma de Medo, presos até que o individuo tenha condições de encará-los, assimilá-los e sublimá-los. Assim se da o processo de transformação do caráter humano. A maturidade se dá quando o indivíduo consegue superar sublimando seus principais medos, sendo esse processo orgânico, instável e repleto de evoluções e involuções. O Medo se manifesta no consciente como uma sensação de profunda repulsa, pavor, desprezo, aversão. Porém o Medo é uma ponte entre os traumas mantidos no subconsciente e a nossa consciência. O Medo é uma metáfora, uma metáfora e uma representação, uma representação é uma coisa que substitui outra coisa lembrando-a. O Medo se constrói no consciente através de processos simbólicos, ligados ao inconsciente e ao contexto histórico e cultural do indivíduo e a sociedade em que foi criado. Objetos, animais, pessoas, lugares ou situações, ganham uma forte carga emotiva dentro do processo de individuação do sujeito, passando assim a serem signos. Por tanto, o Medo é uma metáfora que nos lembra de sensações, sentimentos e lembranças que estão presas no subconsciente e que só podem ser superadas quando encaradas e assimiladas por completo ao nosso ser. Pode-se encarar o Medo como um mecanismo comum a todos os seres humanos, e em níveis diferentes também a alguns tipos de animais. Mecanismo que nos protege e nos lembra de algo inacabado. Como o Medo se torna neurose e como a neurose passou a ser uma enfermidade da alma humana que caracteriza os indivíduos da cultura Ocidental Moderna do século XX? “A neurose não é, costumeiramente, definida como medo da vida, mas é exatamente isso. A pessoa neurótica tem medo de abrir o coração ao amor, teme estender a mão para pedir ou para agredir; amedronta-a ser plenamente si mesma” (Lowen). A Moderna cultura capitalista ocidental iniciou seu processo de formação em meados do século XVI, a partir desse período ocorrerão mudanças sociais, políticas e econômicas que se desdobraram até o século XX, como: o inicio das grandes navegações européias (marca o começo da globalização), a formação dos Estados Absolutistas europeus e dos movimentos nacionalistas, as políticas imperialistas e colonialistas, a formação da economia mercantilista, e a dupla revolução do século XVIII, a Revolução Industrial e a Francesa. No âmbito cultural da formação de novas idéias surgiram o Renascimento Cultural e o Humanismo, seguidos da filosofia Iluminista, a reforma protestante, o desenvolvimento do método cientifico, do modelo cartesiano e da física newtoniana. Além desses movimentos houve também o surgimento do cientificismo, a filosofia positivista de Auguste Comte, a ética utilitarista, o pensamento pragmático, o liberalismo, o marxismo e o evolucionismo de Darwin, marcas próprias do século XIX. Tudo isso forma a cultura ocidental capitalista, cabe agora tentar perceber como isso afetou e se manifestou nos indivíduos do século XX, que herdaram historicamente e culturalmente todos esses discursos da era Moderna. Na Idade Media o ser humano tinha como principal instituição criadora de “verdades” a Igreja católica, por tanto vivíamos em um modelo teocêntrico. No período da Modernidade o ser humano e deslocado para o centro e assim inaugura-se o modelo antropocêntrico. A Idade Media entendida pelos renascentistas e iluministas como um período de trevas por se basear na fé cega e nas superstições passa a ser desprezada. A radical valorização dos ideais greco-romanos traz a tona a Razão como essência humana. A Razão exaltada pelos Iluministas fortifica o espírito cientificista do ser humano transformando a Ciência na principal instituição da modernidade criadora de “verdades”. Assim inicia-se o “Império da Razão”. Os iluministas acreditavam que a luz da Razão iria iluminar todo o mundo livrando o ser humano da ignorância e permitindo-nos controlar toda a realidade ao nosso redor, apesar de serem anticlericais os Iluministas buscavam com a Razão o paraíso na terra e a salvação humana. Mas como afirmou Pascal, pensador do século XVII, existem dois excessos: “excluir a razão, não admitir senão a razão”. Os preceitos iluministas de Razão, Ciência e Civilização se espalharam pelo mundo oprimindo tudo que se opusesse a esses ideais e provocando a destruição e o massacre de outros povos com outras formas de vida (como o ocorrido com as nações indígenas na América). Mas como essa Modernidade afirma o Medo como neurose na contemporaneidade? Os humanos do século XX têm como principal herança da Modernidade o Medo. O medo do outro, o medo do diferente, o medo do desconhecido, do incontrolável, do inexplicável, portanto, o medo de tudo que foge a razão. Ao se abrirem para outros continentes os europeus se depararam com povos muito diferentes e por medo lhes impuseram de forma violenta sua forma de civilização, uma civilização racionalistas, extremamente controladora, violenta e muitas vezes desumana. Por isso o humano do século XX tomado pelos signos da Modernidade, a Razão, o Poder e o Progresso entra em conflito consigo mesmo. “O neurótico está em conflito consigo mesmo. Parte de seu ser está tentando sobrepujar uma outra parte. Seu ego está tentando dominar seu corpo; sua mente racional, controlar seus instintos; sua vontade, superar medos e ansiedades” (Lowen). Como se percebe as palavras “dominação” e “controle” estão presentes na definição do psicanalista Alexander Lowen. É como se a vontade da civilização européia de dominar e controlar os demais povos do planeta tivesse passado para o âmbito psicológico dos indivíduos do século XX, tornando-nos internamente conflituosos e assim neuróticos. O fato da mente racional estar tentando dominar os instintos fortifica a argumentação sobre o Medo, pois tal domínio dos instintos se dá exatamente por medo, pois os instintos são muitas vezes incontroláveis, inexplicáveis e totalmente irracionais. O Medo é o sentimento que está por traz de toda a busca por poder, ordem e controle da Civilização Ocidental Moderna, a neurose e a conseqüência de tal medo exacerbado. Isso se torna ainda mais claro nos versos do poeta.
Congresso Internacional do Medo
(Carlos Drummond de Andrade)
"Provisoriamente não cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.Cantaremos o medo, que estereliza os abraços,não cantaremos o ódio, porque este não existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas."

Um comentário:

Anônimo disse...

Anderson...
que maravilha!
Quanta compreensão, que riqueza ler você tão transdiciplinado...poesia, cinema (?! rsrs) psicológia, história.
Hum...e as fotos dos filósofos do lado...ficou ótimo, realmente seu blog está virando um reduto dos filósofos...
Um beijo e um abração da sua Camila querida...a gente se vê logo!