terça-feira, 17 de agosto de 2010

A verdadeira filosofia busca o cru da vida mas não se contenta com ele

     A filosofia moderna ocidental no auge de seu pensamento racional, que traz uma fria lucidez, encontrou seu extremo oposto e complementar, o irracional. Em sua busca pela essência da vida, a filosofia descobriu que a existência humana, fora a parte originalmente animal,  é repleta de mentiras, farsas, ilusões, representações, que mesmo surgindo do contato direto com os fenômenos da realidade nunca poderá captura-la ou explica-la complemente. A consciência humana, nosso principal instrumento de sobrevivência ante a Natureza, tem como maior força sua capacidade de dissimulação e de invenção, ela é para nós como os chifres do touro ou as garras do leão. Assim sendo,  fundamentalmente a humanidade independente do contexto social, histórico e cultural, nunca passou de um grande formigueiro frente ao universo. Somos meros pedaços de carne boiando no caos, micro organismos astutos que sobrevivem mesmo na constante imanência da sublevação das forças da Natureza, que em um suspiro pode nos destruir, apesar das ilusões de controle e soberania que o alto desenvolvimento tecnológico tem nos provocado nos últimos tempos. A existência humana é portanto, gratuita, inútil e complemente desprovida de objetivo ou valores próprios. Um dos filósofos mais intempestivos da história do ocidente afirma em um aforismo que, o erro  acerca da vida é necessário à vida, assim  diz ele: “Toda crença no valor e na dignidade da vida se baseia num pensar inexato; é possível somente porque a empatia com a vida e o sofrimento universais da humanidade é pouco desenvolvido no indivíduo(...) Quem sabe ter em mira sobretudo as exceções, quero dizer, os talentos superiores e as almas puras, quem toma o seu surgimento como objetivo de toda a evolução do mundo e se alegra com seu agir, pode acreditar no valor da vida, porque não enxerga os outros homens; portanto, pensa inexatamente. Do mesmo modo  quem considera todos os homens, mas neles admite apenas um gênero de impulsos, os menos egoístas, desculpando os homens no que toca aos outros impulsos: pode também esperar alguma coisa da humanidade como um todo, e assim acreditar no valor da vida: portanto, também nesse caso por inexatidão do pensar(...) pois no conjunto a humanidade não tem destino nenhum, e por isso, considerando todo o seu percurso, o homem não pode nela encontrar consolo e apoio , mas sim desespero.  Se ele vê, em tudo o que faz, a falta de objetivo último dos homens, seu próprio agir assume a seus olhos caráter de desperdício” (Nietzsche). Esse em fim, é o cru da vida!
    O rumo tomado por essa forma de pensar pode levar homens lúcidos demais ao desespero, ao niilismo e a mais profunda melancolia, o desperdício de suas ações é inaceitável a sua sensibilidade. E ai que a filosofia inconformada com os resultados do pensamento racional, ultrapassa suas barreiras, alia-se ao devaneio e ao sonho,  fundindo-se a poesia, não mais contendo-se ao exercício especulativo e tornando-se ato criador . Só ai que a vida, esse fenômeno efêmero e vazio, pode vir a ganhar algum valor, ético, estético e poético, tornando-nos pouco mais que bichos, pouco menos que deuses, somos Humanos, e a vida é nossa criação, nossa arte, nosso jogo, nosso brinquedo. E parafraseando o filósofo já citado, digo que a arte serve para tornar a vida suportável, pois a sensibilidade humana não pode concordar sem protestos com o terrível e avassalador destino dos seres.
 

2 comentários:

Anônimo disse...

é muito interessante ver como a força criativa e destrutiva brigam nos seus textos... pra mim esse começou muito pessimista, porque acho que ver a consciência humana como um instrumento de força para se defender da natureza é uma perspectiva totalmente racionalista, positivista, maniqueísta, uma visão que separa a natureza da consciência... e prefiro acreditar que elas não estão separadas, porque se acreditamos que estão separadas acho que a sensação é essa mesma de boiar no caos... de fragmentação. Mas aí em algum momento você traz simplesmente valorizar o "surgimento" e se alegrar com seu agir... achei isso tão criativo e forte, de alguém que não precisa de motivos externos para existir, tem sua própria orbita, e realmente essa força criativa desagua em arte mesmo se a pessoa não quiser, se ela encarar a existência assim acho que a arte é inevitável...
um beijo!
Cami

Habitante disse...

Sublime, lirico-repetitivo, ou simplesmente um eco na caverna do conhecimento.Caverna-metáfora;caverna-clichê, mas caverna escura onde as garras do touro e os chifres do tigre ou ao contrário, iluminam até cegar quem, por nao ver, tenta enxergar. Descoberta absurda, palavrório inconveniente,vício academico imerso no patamar da originalidade. Interpretação criativa paradoxalmente instigante e cansativa.
Pensamento bem comportado como um prisoneiro que depois de meses na solitária nao distingue mais o dia da noite.