domingo, 11 de janeiro de 2009

O movimento rumo ao "ser"


Dialogando com minha nova amiguinha intelectual, apesar dos poucos 12 anos de idade, a personagem Paloma do best-seller clandestino “A elegância do ouriço”, cheguei a um pensamento muito interessante de cunho ontológico. Minhas duvidas e preocupações para com a existência me levam constantemente a me questionar sobre o que é o “ser”?
Em determinado momento do livro Paloma começa a observar o movimento dos corpos humanos, aparentemente uma observação comum, porém os olhos da garotinha estão carregados de analises filosóficas. Na cena a garotinha ao lado do pai assiste a um jogo de rugby na TV, e observa de forma extremamente perspicaz as coisas ao se redor: “A maioria das pessoas quando se mexem, bem, elas se mexem em função do que há em torno. Neste exato momento, enquanto estou escrevendo passa à gata Constituion, com a barriga arrastando no chão. Essa gata não tem nenhum projeto de vida constituído, mas se dirige para alguma coisa, provavelmente uma poltrona. E isso é visível pelo seu modo de se mexer: ela vai para. Mamãe acaba de passar na direção da porta de entrada, sai para fazer compras e, na verdade, já está fora, seu movimento se antecipa. Não sei muito bem como explicar isso, mas, quando nos deslocamos, somos, de certa forma, desestruturados por esse movimento para: estamos ali e ao mesmo tempo não estamos ali porque já estamos indo para outro lugar, se entendem o que quero dizer”. Uma observação do movimento digna de uma verdadeira fenomenologista! O que me interessa aqui é trazer essa observação para a questão ontológica, ao moldes existencialistas sartrianos. Paloma está procurando nos movimentos dos corpos humanos e mesmo das coisas um sentido estético sublime que faça parecer que a vida tem algum valor. Sem duvida nenhuma um ideal profundamente nietzscheano. Acho que não preciso dizer o quanto me apaixonei por essa incrível personagem! Vejamos então a continuação da observação de Paloma para que eu possa, então, fazer a minha própria observação. “Para parar de se desestruturar, é preciso parar de se mexer. Ou você se mexe e não está mais inteiro, ou você está inteiro e não pode se mexer”.
Partindo desse exemplo corriqueiro e facilmente imaginável sobre o movimento dos corpos e sobre a desestruturação dos mesmos, penso a questão do “ser”. Se pensarmos bem veremos que o indivíduo humano nunca chega a “ser” verdadeiramente enquanto está vivo. Se entendermos o “ser” como uma continuidade estável. Se definirmos a existência humana como uma constante modificação em direção ao “por-vir” ou nas palavras de Sartre um eterno reinventar de si mesmo, fica claro que estamos longe do “ser”. Isso se da pelo fato de sermos dotados como humanos de uma consciência. Sartre vê a consciência como uma atividade, um movimento em direção ao mundo externo. Em sua ontologia fenomenológica ele define duas formas fundamentais de “ser”, o “ser em-si” e o “ser para-si”. O segundo pertence à consciência humana, é caracterizado pela constante atividade, pela abertura para o mundo e pela capacidade de intencionar as coisas e objetos. O primeiro está relacionado as coisas, é fechado em si mesmo, inerte e opaco, ou seja, totalmente uno e não intencional, mas sim intencionável. Assim sendo, se possuímos uma consciência que é pura atividade e sempre está aberta ao mundo, nosso movimento rumo ao “ser” humano é análogo ao movimento dos corpos descrito por Paloma. Estamos sempre nos desestruturando nesse processo, porque paradoxalmente nós somos e não somos ao mesmo tempo.
Isso me leva inevitavelmente a pensar a nossa relação com o tempo. Se imaginarmos que o presente é um momento indefinido entre o passado e o futuro, chagamos a conclusão de que o presente é totalmente efêmero. Assim eu vejo o “ser”, como uma coisa totalmente efêmera. Tão leve quanto uma pluma que o vento arrasta pelos ares. Quase imperceptível como o orvalho que cai na madrugada e se acumula nas folhas, ou como a maresia que vem do mar. O “ser” é o que sempre passa e nunca fica, o único que fica é o eterno “por-vir” de que tanto falava Nietzsche.
Ao falar sobre o movimento, como já disse anteriormente, Paloma estava pensando sobre Arte, no sentido de valor estético que pode ser atribuído as coisas para que essas pareçam ter algum sentido, ela procura um “motivo existencial” (ver texto do blog com o mesmo nome). Para entendemos isso transcrevo outro fragmento das observações de Paloma, desta vez sobre um jogador de rogby que ela viu na TV fazendo um ritual típico desse jogo chamado haka: “Todo mundo estava hipnotizado por ele, mas ninguém parecia de fato saber por quê. No entanto, isso ficou claro no haka: ele se mexia, fazia os mesmos gestos que os outros (bater as palmas das mãos nas coxas, martelar o chão em cadencia, encostar-se com os cotovelos, tudo isso olhando nos olhos do adversário com ares de guerreiro irritado), mas, enquanto os gestos dos outros iam em direção dos adversários e de todo o estádio que olhava para eles, os gestos desse jogador ficavam nele mesmo, concentrados nele, e isso lhe dava uma presença, uma intensidade incrível... Assim, assisti ao jogo com atenção, procurando sempre a mesma coisa: momentos compactos em que um jogador se torna seu próprio movimentos sem precisar se fragmentar ao se dirigir para.” Paloma chama a atenção para o fato desse jogador se destacar, porque parece que a atividade que ele esta praticando basta-se em si mesma, e isso lhe da intensidade e verdade, ela denomina isso como “movimento imóvel”. E não é assim que deve ser a Arte afinal de contas? A Arte que se basta por si só como valor transcendente da existência humana! Pensemos que quando nos movimentamos alheatoriamente estamos em uma atividade inconstante, fragmentada, desestruturada e sem sentido. No caso de uma dançarina, ela também faz uma serie de movimentos fragmentados e desestruturados, porém ao som de uma música esses movimentos se unem em um todo complexo que da origem a dança, que por sua vez carrega um sentido estético profundo para quem dança e para quem aprecia a dança. Sabendo, portanto que a existência em si não carrega sentido algum, não tem nenhum valor “a priori”. Que mundo em si é um caos completo incontrolável e inexplicável. Percebemos o quanto é dificil não nos perdermos na veleidade do “ser”, e a importancia de buscarmos fazer do movimento da consciência rumo ao “ser” uma dança e não um cambalear tortuoso. Isso é encarar a aventura sem fim da constituição de nós mesmos!

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