Deitado entre as sombras do esquecimento, na lama da rua próximo ao
bueiro, morre o guarda-chuva imerso em solidão. Em um canto de
abandono, entoado na escuridão, lamenta o saudoso guarda-chuva, um
tempo antigo, de símbolo e função. Se antes, seu mecanismo
primitivo de abrir e fechar nas mãos humanas guardava a a ilusão
de proteção, agora desamparado por seu criador, degrada-se a
matéria, definha-se a memória. Sua nobre missão, de erguer suas
abas-asas negras contra o firmamento em pranto, impondo-lhe valente
resistência, já não vigora, já não atende, já não abriga
ninguém a não ser sua própria decadência. Pobre guarda-chuva,
desapropriado de seu destino, apenas na companhia sombria de ratos e
urubus, que já lhe roeram os restos de esperança e lhe rasgaram os
tecidos do sonho, revelando em sua bruta materialidade, a crueza de
coisa, coisa entre coisas. E agora também coisa sem por que, sem
para que, só para si, em si, sem nada. Em seu cabo corroído pelo
tempo, ainda resta o ar de bom burguês, as lembranças de seu
constante flanar pela cidade, como bengala ou estandarte de
transeunte. Passa a madrugada vazia, a noite não quer dispersar,
mais densa, mais negra, ela parece se congelar em imagem, em estampa
texturizada, grossa, dura, eterna. O guarda-chuva ali, imóvel,
cravado na noite, parte da paisagem de solidão, despedido,
dispensado, desprovido de objetivo, alforriado de obrigação.
Transformou-se em objeto selvagem, perdeu sua humanidade, sua lógica
doméstica, seu lugar determinado no mundo. Morre o guarda-chuva,
morre a função, morre a palavra, sobra o resíduo de memória que
paira como fantasma sobre o corpo renascido da coisa indefinida que
sobreviveu e perdura em estranhamento.
A Força
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"A ação perfeita é devoção". Li em algum livro de ocultismo da Helena
Blavastky, e nunca me esqueci, no meu coração sentia que era a mais pura
verdade. Des...
Há 7 anos