terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Ser do será

                                                                                                   (Phenomene, Remedios Varo, pintura)


Quem me olha, não me vê,
Quem me vê, não me sabe,
Quem me sabe, já me perdeu.
Pois nada sou, se não o que serei.
Nada sei, se não o inventado.
Nada faço, se não passar...
(e Ser passado pelo amanhã)

domingo, 18 de dezembro de 2011

A Ponte: buscando uma ontologia do movimento

                                                                                                                                             ( A ponte, xilografia, Maria Bonomi)

De longe eu vejo a ponte que me liga ao horizonte. O horizonte que é o por vir, para onde tudo há de ir e há de voltar. Para lá eu vejo o além, o abstrato indefinido que se perde no olhar e se estende no infinito imaginado.
Na ponte a passagem, o preço da travessia. Puro movimento, movimento imóvel em si e sobre si. Que me leva a mim mesmo e ao desconhecido de mim, a outra margem do que sou. Do eu ao outro. O eterno desconhecido sempre a se relevar. O passo a frente ou atrás no agora. Pois na ponte não há direção, nem chegada nem partida, só translação. E o caos do tempo, logo abaixo, em sua ondulantes águas obscuras e misteriosas, ergue-a em eternidades labirínticas, em linhas sinuosas que escondem em seus emaranhados um destino incerto, como nas linhas de uma mão.
A ponte não se faz de pedra ou de metal, se faz de azul, um azul espiritual, profundo e frio como o firmamento, insustentavelmente leve, como o indelével ser  que não se constitui em essência fixa, mas em processo constante. A ponte passa, a ponte paira sobre a vacuidade branca. A ponte aponta para dentro, nos conecta ao mundo pelo avesso, pelo estofo. A ponte liga pontas oposta da mesma corda. De um lado um passado inventado, a memória embaçada, do outro um futuro virtual, a sombra das esperanças condenadas. A ponte nada é, está sendo, em um presente incalculável, o espaço da transformação, a expansão sem limites, a vida pungente e a morte logo a frente...
Aponte para a ponte e atravesse-se!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

                                                                    (M.C. Escher)


A Imensidão é o que o Espaço não contem, assim como a Eternidade é o que o Tempo não conta.


Kant diz que o tempo e o espaço são categorias cognitivas do espírito humano, ou seja, instrumentos da inteligencia que servem pra tentarmos explicar esses dois fenômenos e de certa forma controlá-los parcialmente. Eles não podem apreender o que Kant chamou de a “Coisa em Si”, conceito tanto interessante quanto obscuro (metafísica). Eu diria que o tempo e o espaço são elementos da tal da “Coisa em Si” que se referia Kant. É claro que desde a teoria da relatividade de Einstein sabemos que tempo e espaço não se separam, pois um depende do outro. Mesmo sabendo disso é comum que utilizemos termos de medias distintos para o tempo e para o espaço. Metros e sentimetros dizem respeito ao espaço, enquanto horas, minutos, segundos referem-se ao tempo. Mas mesmo quando por equivoco pensamos nos dois separadamente, acabamos por depararmo-nos com suas naturais coincidências. O tempo de um lado é formado por dois elementos opostos, o que passa e o que permanece, posto que só é possível perceber o que passa, comparando com o que permanece, e vice versa. O espaço, por sua vez, também carrega um fundamento dual, ele contém, delimita, mas para fazer isso tem de se levar em consideração o que contem o espaço, o que esta fora dele, que colabora para compô-lo.
Pensemos na linguagem. Me parece ser o primeiro instrumento intelectual, abstrato e teórico que ajuda a nos relacionarmos com o tempo-espaço em sua dupla função. Com o tempo porque a linguagem carrega memória, através dela podemos nos referir a algo no passado ou mesmo no futuro( por isso os tempos verbais são tão importantes no aprendizado de qualquer linguagem), algo que já não necessariamente existe, ou ira existir. No espaço, a linguagem permiti presentificar o ausente, aproximar o distante, podemos nos referir a algo que não necessariamente esta presente no espaço. Se digo a palavra gato, mesmo o que o “Ser gato” não esteja ao alcance da vista, ele surge na memória, se aproxima do entendimento. É assim que percebemos que a linguagem esta atrelada a categoria tempo-espaço em suas funções básicas.
Todos as ferramentas ao longo da história criadas pelos humanos para medir o tempo-espaço, trabalham dentro de categorias matemáticas objetivas de medição. Para o espaço, régua, compasso, astrolábio, GPS. Para o tempo, diferentes tipos de relógios, de sol, de areia, de ponteiros ou digital. Dessa forma é valido que também existam categorias filosóficas e poéticas para tratarmos o tempo-espaço. Conceitos não mensuráveis por medidas matemáticas, conceitos de subjetividade, de relatividade, carregados de poesia e imaginação. Bachelard ao falar da palavra imensidão, toma-a como signo do infinito, e diz: “Poderíamos dizer que a imensidão é uma categoria filosófica do devaneio”. Igualmente cabe aplicarmos a mesma ideia a palavra eternidade, pois se a imensidão não pode ser contida no espaço objetivo, a eternidade não se pode contar no tempo objetivo. E o mais interessante é que a sim como o tempo não esta separado do espaço, a palavra imensidão e a palavra eternidade também unem-se em um sentido comum, o incomensurável. A imensidão e a eternidade são reflexos de nosso íntimo. Diz Rilke: “O mundo é grande, mas em nós ele é profundo como o mar.” É somente pelo devaneio que o ser humano pode apreender o tempo-espaço subjetivamente, como são ilimitados, a imensidão e a eternidade não podem ser compreendidas em termos puramente racionais, mas podem ser sentidas, apreciadas, fruídas pelo homem que medita sobre a intimidade de seu Ser. Nas palavras de Bachelard: “Em tais devaneios que invadem o homem que medita, os pormenores apagam-se, o pitoresco desbota-se, a hora já não soa e o espaço estende-se sem limites”.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A Chuva que cai...

(Lívio Abramo- Chuva Paraguay, xilografia)

A chuva que cai... banha a madrugada com águas serenas e cobre toda a superfície da cidade com uma leve película translucida, multiplicando as imagens em mil gotas e poças d'água, como se tudo fosse feito de espelhos. Um espelho frente ao outro, refletido o infinito vazio de dentro de nós.
A chuva que canta soturna seus ritmos fluviais, batucando nas folhas das árvores um som constante e hipnótico, como o culto mistico a um antigo Deus, que parece transpassar os ouvidos até os sonhos, onde navego nas águas da eternidade. As águas em sua textura fluida, disforme, dissolúvel, efêmera, que escorre e penetra nas brechas da terra, que corre nas veias da vida como rios furiosos, nos corpos dos seres, nas almas aflitas, e leva os pesares todos para as profundezas distantes do abismo do mar. Cai chuva de vida, que as vezes soa como a morte, fundi-te a minhas lágrimas que também escorrem de meus olhos de ternura. E na noite fria lava os desconsolos, leva os desenganos, molha todo ódio e acalma meu coração. Nos teus ciclos ei de renascer como tu, transfigurada, transfiguradora, sempre velha e sempre nova, sem distinção no tempo, no eterno retorno de si mesma...

Sobre a escrita do aforismo

Um aforismo não pode ser uma máxima, ele é uma minima. Uma compilação de tudo que é essencial. É nisso que consiste sua grande problemática. O essencial é por um lado o obvio, o que está sempre presente, o invariável, por outro é o inapreensível, a raridade, a pedra filosofal. Por isso todo aforismo e composto de uma dose de filosofia e uma dose de poesia, intrínsecos nas palavras. Há nele uma busca pela Verdade e ao mesmo tempo uma total despretensão para com ela. Assim, o aforismo carrega em si uma ambiguidade natural, sua proposta é extremamente ousada, mas seu resultado é sutil, busca a complexidade, mas é banal, tenta ser sucinto, mas traz a amplidão, parece ser direto, mas possibilita muitas interpretações. O aforismo nasce de uma percepção instantânea em um penamento prolongado. É um exercício poético que presa pela simplicidade sensível e pelo bom humor despreocupado. É contra toda a arrogância intelectual e verborrágica dos que muito falam e nada dizem.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Se por um instante eu pudesse abolir as divisas do tempo-espaço, perguntaria a meu Eu de ontem o que será do amanhã; e a meu Eu do amanhã o que foi o ontem; assim faria o hoje.