terça-feira, 27 de setembro de 2011

A soma da finitude do indivíduo com a eternidade do Ser, gera o sagrado Sim, que afirma tudo que é bom e que é ruim.



domingo, 25 de setembro de 2011

A reinvenção do samba; a estética contemporânea; uma nova imagem de mulher; a metáfora do carnaval no Brasil; a (re)volta das marchinhas

      

  De roupas negras como em um ritual fúnebre, Adriana Calcanhotto reencarna o samba no palco e toma-o como guia de sua nova criação musical, o Micróbio do Samba. Afirmando-se como “impostora do samba” ela serve-se livremente dos elementos primordiais desse ritmo que é historicamente um dos pilares da cultura brasileira, simbolo de um povo integramente miscigenado. Da força dos batuques (tamborim, agogô, cuíca) de tradição afro-brasileiras (referencias diretas a Mangueira), a levada quebrada e malemolente do violão. Dando continuidade a uma tradição do cancioneiro popular, em suas letras (esse é seu primeiro álbum somente com composições próprias), a crônica dos relacionamentos amorosos entre homem e mulher surge como tema central, seguindo a linhagem de celebres compositores que também narravam as belezas e desventuras do amor na vida cotidiana, das paixões não correspondias, dos abandonos , traições, mentiras e reencontros, como Chico Buarque, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, e principalmente seu conterrâneo do sul, Lupicínio Rodrigues. De quem ela tomou emprestado o titulo do álbum,que se tornou uma perfeita metáfora para sua obra, posto que é samba sem ser samba. É com certeza algo que partiu do samba e foi além, como se o samba surgisse mesmo com um parasita, um corpo estranho que através da permanência no tempo se fundiu a seu hospedeiro em uma metamorfose criadora que gera o novo, ou a reinvenção do antigo. Assim ela pratica um exercício brasileiríssimo e de influencia oswalde-andradiana, a antropofagia. Só que agora já não é exatamente como os tropicalistas, que renovavam sua musicalidade unindo o tradicional da cultura brasileira a elementos externos como o rock e da contracultura norte-americana. Na verdade ela se alimenta do próprio passado cultural brasileiro, uma antropofagia de si mesmo, uma volta do Brasil ao Brasil. Não como no paradigma do maguebeat, de unir o local ao global (como simboliza a capa do primeiro álbum de Chico Sciance, “Da Lama ao Caos”; uma antena parabólica (referencia ao álbum de Gilberto Gil, “Parabolicamará”) ligada ao mangue), mas sim na questão de ligar o contemporâneo ao tradicional, reciclando o Brasil de ontem no Brasil de hoje. Mesmo porque atualmente é difícil classificar o que seria um elemento externo, já que vivemos o auge da globalização, onde tudo está, mais do que nunca, interligado. O problema se deslocou dos espaços (interno e externo/global e local) para a sincronicidade e dos múltiplos tempos.
Como compositora habilidosa, Adriana revê sambas antigos, que criaram a imagem do Malandro (arquétipo da mitologia brasileira), mulherengo,sambista da mangueira, sempre esperando o carnaval e pronto para deixar uma mulher aflita em sua ausência. Mas Adriana inverte a situação e traz a narrativa para o olhar da mulher contemporânea pós-feminista, criando um tipo de anacronismo dentro das próprias estruturas do samba, entre o ritmo e a temática narrativa da canção. Uma ponte entre o passado e o presente. O ritmo mantem-se ligado a elementos do tradicional, enquanto a letra revela as novas condições da mulher (em em uma era onde temos a primeira presidenta do Brasil, ou seja realmente muita coisa mudou para as mulheres). Surge uma nova imagem de mulher, não mais uma mulher ingenuamente apaixonada e entregue a seu homem, querendo agradá-lo de todas as formas para tentar prendê-lo, como canta Chico Buarque: “Com açúcar com afeto, fiz seu doce predileto, pra você parar em casa”. Ou a mulher passiva e amorosa, sempre disposta a perdoar, como se ouve na mesma música: “Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança, pra chorar o meu perdão...ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado, como vou me aborrecer...logo vou esquentar teu prato, do um beijo em seu retrato e abro meus braços pra você”. Ou na música de Ary Barroso, “Camisa Amarela” eternizada na voz de Nara Leão, que conta de uma mulher que corre atrás do marido no carnaval, mas só o reencontra depois da quarta-feira e ainda afirma: “Gosto dele assim, passada a brincadeira ele é pra mim”. Agora o que se tem é uma mulher em pé de igualdade com os homens, independente e decidida. Uma mulher do samba, que larga o homem em casa e vai pra mangueira, como mostra a canção “Ta na minha hora”. Pois agora ela já não depende só do amor de um homem, ela tem outras prioridades, sua vontade é autônoma, e assim ela diz ironicamente: “Não chora, neguinho não chora, o meu coração e verde e rosa”. Uma perfeita inversão da música de Nélson Cavaquinho “Vou partir”, onde o personagem masculino diz: “Vou partir, não sei se voltarei, tu não me queiras mal, hoje é carnaval”.
A questão da retomada de vida da mulher abandonada, já era tratada na canção “Olhos nos Olhos” de Chico: “Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer. Olhos nos olhos,quero ver o que você faz, ao sentir que sem você eu passo bem demais”. Porém nela, apesar do eu lirico feminino afirmar estar refeita, e dizer que outros homens já a amaram melhor que o antigo, ainda se sente no tom da música um sentimento de tristeza não sublimada, um leve sofrimento latente. Mais parece na verdade, uma vã tentativa de fingir aceitar a perda de um amor que ainda doí. Há um jeito orgulhoso e dissimulado em suas afirmações. O que dizer então da expressão de desespero da personagem da música “Atrás da Porta”, de Chico, interpretado com uma paixão lancinante por Maria Bethânia: “Quando olhaste bem nos olhos meu
E o teu olhar era de adeus, juro não acreditei, Eu te estranhei, me debrucei, Sobre o teu corpo e duvidei,E me arrastei, e te arranhei,E me agarrei nos teus cabelos, Nos teus pelos, teu pijama, Nos teus pés, ao pé da cama, Sem carinho, sem coberta, No tapete atrás da porta, Reclamei baixinho...” Uma mulher desolada, que não compreende e não aceita a separação. Uma mulher que trai, mas para se vingar do amor desprezado, adorando pelo avesso e afirmando na negação sua dependência: “Dei pra maldizer o nosso lar, Pra sujar teu nome, te humilhar, E me vingar a qualquer preço, Te adorando pelo avesso, Pra mostrar que ainda sou tua, Só pra provar que ainda sou tua”. Mas Adriana retrata outra atitude para situações semelhantes, como na canção “Pode se remoer”, onde a personagem afirma claramente e com segurança sua vingança amorosa bem sucedida e seu desprendimento do antigo amor, agora menosprezado por ter sido facilmente substituído:” Pode se remoer, se penitenciar, eu encontrei alguém que só quer me beijar”. Ou então em em “Beijo sem”, onde a personagem feminina se transforma depois de uma separação, e passa a correr atrás de seus desejos, decidida e sem nenhuma timidez ou empecilho moral, caindo então como antes faziam os velhos sambista, na orgia da noite da boemia: “Eu não sou mais, Quem você, Deixou, Amor,Vou a lapa, Decotada, Viro todas, Beijo bem, Madrugada, Sou da lira, Manhãzinha, De ninguém, Noite alta ,É meu dia, E a orgia, É meu bem”. Essa nova postura das mulheres não aparece só nas letras, está explicita na própria postura de Adriana Calcanhotto. Uma cantora, compositora e interprete contemporânea, não só talentosa, mas bem sucedida no mercado da música brasileira, bem aceita na mídia, e que mesmo assim não se permiti cair na reprodução massificadora, nem no modelo pronto do sucesso fácil, na imagem pública banalizada e satura pela TV. Ela esta sempre se reinventando, cada álbum seu é diferente e inovador. E esse último entrará sem dúvida entre as perolas da MPB, um clássico de nascença. Que segue bem a linha da também renovadora do samba Marisa Monte, que a poucos anos atrás revolucionou com o álbum “Universo ao meu redor”, a contenporanização do samba, também por uma ótica feminina, com canções tão belas como as do Micróbio do Samba, inclusive gravando uma das canções de Adriana, 'Vai saber”. Mas é bom deixar claro que se essas mulheres do samba, que estão mais fortes do que nunca, não são as únicas nem as primeiras, pois temos em nossa história uma linhagem de talentosas cantoras do samba, só para sitar algumas; Elizeth Cardoso, Elza Soares, Nara Leão e muitas outras.
No palco Adriana fez-se performance, sambando em movimentos lentos e caricatos feito um boneco de cordas tipo Arnaldo Antunes (incluindo o figurino que também leva um pitadinha do estilo dele, roupas largas como um pijama, panos sobre panos). E também uniu a performance a vertente experimentalista tão cara a música brasileira, de Hermeto Pascoal a Tom Zé. Ela tocou prato com faca, louça na bandeja, e na era do computador, trouce uma aparelhinho que era uma especia de cuíca eletrônica, modificou a voz com um megafone, criou batidas em aparelhos eletrônicos que ficavam sobre uma mesa, tipo filmes de ficção cientifica. Livrou-se das partituras tradicionais sobre o pedestal com um secador de cabelo (eletro demostênico, antigo simbolo da futilidade feminina, tornado arma), e elas esvoaçaram pelo palco, como o simbolo de um recomeço musical, o fim das amarras e do controle das partituras caretas. Além disso renovou um clássico de Paulinho da Viola, “Argumento”, e utilizou a música em um sentido metalinguístico, quando o refrão diz: “Tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim, olha que a rapaziada está sentindo a falta de um cavaco de um pandeiro ou de um tamborim”. Nesse caso a letra refece a própria desconstrução musical feita nos sambas de Adriana.
Por fim não poderia deixar de comentar a retomada marcante no álbum, do mito carnavalesco, fortemente presente em toda a história do samba. Mas o carnaval, não no sentido banal de festa da carne, mas em um sentido profundamente existencialista, como uma trégua para o ser humano, frente o inevitável destino de sofrimento e morte, uma libertação da frivolidade tediosa do cotidiano pelo transe do êxtase da multidão, dos batuques, da alegria contagiante e embriagante. Esse é o verdadeiro sentido do carnaval enquanto metáfora de uma existência sofrida e inútil, mas que pode ser absolvida por um único instante fugas e eterno de liberdade, prazer e sonho, como uma tipo de Sim nietzschiano, afirmando a vida. Como diz Caetano Veloso, “carnavalizar a vida coração”. São inúmeras as letras de samba que tratam do tema carnaval, que está presente na música “Tão chic” do Micróbio do Samba, com direito a confete, dedos erguidos ao ar, e ao final, braços abertos ao infinito. A letra diz assim: “Tão chic, tão cheia de sí, tão triste, me ousa, a vida voa, baixinho, se vai ver, já é, eu quero teu amor eterno, até a quarta-feira”. É claro que todo ilusão tem seu fim, e normalmente e mais rápido do que gostaríamos, por isso a quarta-feira é sempre de cinzas, pois marca o fim do êxtase carnavalesco. Assim também diz um samba de Chico Buarque: “Carnaval, desengano, deixei a dor em casa, me esperando, e brinquei e cantei e fui, vestido rei, quarta-feira sempre desce o pano”.
A marchinha de carnaval também é tradição dos carnavais de rua no Brasil. Caetano lançou nos anos 70 um celebre álbum intitulado, “Muitos carnavais”, uma magnifica retomada da marchinha carnavalesca. Adriana também passou por essa tradição, e também inverteu o sentido comum das letras com seu olhar feminino e contemporâneo. Mantendo o tom escrachado e cômico das marchinhas, ela canta na música “Deixa Gueixa” (que já é um trocadilho no título): “Deixa, gueixa deixa, Deixa eu te fazer um chá, Deixa queixa deixa, Deixa eu lavar a louça”. Na canção a gueixa, típica representação da submissão feminina pela tradição oriental machista (que pode facilmente ser aplicado a outras culturas) vem ao ocidente e um homem apaixonado faz tudo para agradá-la, implora quase para lavar a louça (típica função feminina no universo machista e tradicional), e ainda completa: “É assim no ocidente, E eu te explicaria, Tim tim por tim tim pudesse, Nunca mais tu chorarias”. Ou seja, no Ocidente, mais do que nunca a mulher ganhou seu espaço e descobriu sua força sobre os homens, a louça já não é sua obrigação, e é a gueixa agora que e servida com o chá.
 

domingo, 4 de setembro de 2011

O eterno retorno, linguagem e cotidiano, a palavra poética


É fácil perceber o paradigma de Heráclito, o de que tudo está em constante movimento, por isso, tudo muda, nada permanece se não o próprio ciclo das mudanças. Basta observar as folhas que caem das árvores na calçada, apodrecem, morrem, e novamente nascem. Passando de um verde robusto, a um amarelo pálido sobre o sol, até um marrom seco e moribundo, para enfim tornar-se alimento da terra, e logo, de volta ao topo das árvores no regresso da nova estação. Ou os pêlos do rosto, que cressem desgovernados mesmo  quando insistimos em raspa-los, pois não se pode controlar totalmente o corpo, ele também tem suas leis, e se mexe, se transforma, envelhece, adoece. E os mesmos pêlos que crescem viram um dia a cair, com a mesma certeza que temos de que nos espera a Morte por detrás do horizonte. E o rosto está sempre a mudar diante do espelho, como  um mosaico que se pode remontar. Da mesma forma o planeta, sempre em um silencioso movimento transformador, de rotação, de translação, de aliteração. Os movimentos internos, o intestino do mundo, as eras geológicas, os dinossauros, depois os macacos, quem sabe logo as máquinas dos contos de  Asimov, a evolução, a involução, a mutação. O universo é marcado pelo signo da transitoriedade e da repetição. Essa lei do universo, regida implacavelmente pelo Tempo-Rei, que tudo cria e tudo devora, pode vir a ser  perturbadora aos espíritos que sobre ela se deterem em reflexão. O que fazer frente a esses ciclo de mudanças infinitas, esse Samrara vertiginoso nesse globo da morte, que apavora nossa fragilidade e efemeridade com sua monstruosidade inevitabilidade?
E eis que se fez o verbo!
    O que se ganha com a palavra é a possibilidade de se elevar a realidade das coisas e dos seres a um novo nível, onde surge um novo campo de ação. Onde nos desprendemos do instante, nos abstraímos do aqui e agora e esquecemos temporariamente a urgência da vida. A linguagem busca um certo controle sobre o real, múltiplo e desordenado. A linguagem vem de um principio organizador, catalogador, virtualizador, que tem como  função primordial a organização do trabalho coletivo. A palavra transmite grosseiramente sensações e pensamentos (na verdade ela nasceu gêmea do pensamento) através de associações e generalizações, que parecem gerar um tipo de controle sobre as coisas ao nosso redor e sobre o que podemos fazer delas sem elas saberem.  Quando digo gato, me refiro a uma  espécie com muitas singularidades e variações entre seus membros. Mas a palavra gato, ao ser pronunciada transforma todo um gênero animal diverso, em signo, que reúne uma serie de características relativamente constantes capazes de invocar pelo som da boca, através dos ouvidos, a imagem que se guarda historicamente de um gato. Pois linguagem é memória coletiva. Ao dominarmos abstratamente a imagem do gato tornando-a em palavra, podemos agora inseri-la como carta em um baralho lingüistico, que nos possibilita agir sobre o gato, sobre o real, coordenar, articular, construir, dar significado e objetivo. A boca que pela primeira vez pronunciou os primeiros sons, ainda desarticulados, prenunciou a cultura. 
    Na palavra apoiamos nossa angústia de um mundo em eterna mutação, em uma vida mareada em um vai e vem cansativo. Onde a única certeza, é que o Ser, parece nunca Ser, parece que esta sempre no que virá.  Com a linguagem governamos em um outro mundo que não o mundo que nos governa. A palavra já é simulacro, vive paralela ao real, o qual ela contem apenas em parte. E com isso erguemos nossa cultura, nossa história, nossa tradição, nossa sociedade, nossos hábitos e costumes, nosso dia a dia. Um castelo de palavras! E erguemos a cabeça todos os dias pela manhã, certos de que estamos vivos, e de que faremos no dia o que o dia necessita, tomaremos café, sempre  com duas colheres de açúcar, os dentes bem escovados, o transito matinal pela mesma avenida, as noticias repetidas no noticiário da rádio, as pessoas transitando pelas ruas, os comprimentos cordiais, ao porteiro do prédio, a secretária, ao seu Joares da padaria,  a fila do banco, as batatas fritas do almoço, a cerveja do fim de tarde, aquela mesma música cantarolada no chuveiro. Tudo para mantermo-nos distraídos do mais obvio e assustador,  que a cada passo existe sempre a possibilidade do abismo, e de que o que ficou para traz, sempre regressa diferente.
    Começamos a construção de nosso cotidiano na linguagem, nas palavras que repetimos todos os dias e que geram as mesmas situações, repetidas vezes. As palavras que guiam nosso porque e para que. Pronunciamos os signos sociais como chaves, onde portas podem se abrir ou se fechar. Nos transpassa e compõe todos os discursos acumulados da história, os discursos políticos, econômicos, estéticos, morais etc. Tudo contido como DNA da palavra.  Nos fazemos entender pela constância dos sons que produzimos, pelos significados compartilhados e registrados, pela palavra do dicionário, nas gramáticas sociais. Nas palavras mais banis, nos gestos mais despercebidos, ai vive nosso cotidiano(olhar para os dois lados da rua como uma lei sagrada) essa repetição que parece recobrir toda a realidade com uma leve película de controle e tédio. Onde tudo parece certo e necessário. Como se realmente pudéssemos controlar o fluxo da vida e alinhar o tempo em nossas categorias cognitivas de passado, presente e futuro, e saber logo o que virá, com a mesma certeza que achamos que sabemos o que se foi. A linguagem inventa o cotidiano, que cria a sensação de constância, de continuidade, de objetividade. Dissimulamos no hábito herdado e construído, a verdade terrível, de que por debaixo dessa crosta de verdades arquitetadas e provisórias, estamos montados sobre o imponderável, o impassível, como se estivéssemos tragicamente atados sobre as costas de um  tigre.
    A palavra vem então para estabilizar, para sedimentar o conhecimento sobre o mundo em mundo conhecido. Mas  a mesma palavra que sustenta nossos sistemas de crenças, também pode ela mesma subverter o próprio  sistema, quebrar a cadeia lógica, escapar as regras da gramática, e reinventar o mundo inventado. Na palavra a seta para o infinito desconhecido. Esse é a palavra poética, que ao contrario da palavra dicionarizada, técnica, instrumental, que transforma as coisas em signos vazios, blocos de significados congelados que podemos jogar de um lado para o outro em nossas frases, na hipocrisia da retórica do convencimento. É uma palavra viva, autônoma, rebelde, livre, que diz o indizível (o que nem todos podem ouvir), que busca tocar o âmago das coisas, a gosma da existência intima, que invoca no espírito o imemorial. Não a palavra-controle, mas a palavra-amplidão. As reticências que sobram em cada poesia. O sentido oculto e único que cada sujeito nela pode imprimir. Ai surge a possibilidade da linguagem, pura artificialidade, tocar levemente a superfície do real, e se constituir como parte dele, como sua extensão no coração dos homens, como ponte para o Ser. A palavra que fluí, que não é mas esta em transito, que acompanha o devir do mundo. Não a palavra no papel, estéril, mas a palavra gravida, fértil, semente de girassol, que pula do papel e corre pelo espaço a fora. A palavra bruta, palavra-som, a palavra-pensamento, a palavra-sentimento que se transubistancializa na boca do poeta em palavra-materia, palavra-carne, palavra-mundo. Palavra que navega por sobre as ondas do  tempo, na eternidade.