sábado, 22 de novembro de 2008

O motivo existencial


“A Sanfona é um instrumento mágico, é o corpo musical do artista, sem ela é como se faltasse uma parte do músico. Quem é Gilberto Monteiro? Um homem simples, comum como qualquer outro andando na rua, um homem pacato e até tímido. Mas quando ele toca a sanfona ele se transforma, torna-se grande, imenso como um gigante! Com a sanfona em mãos ele transforma o mundo! Agente fica até com medo de se dirigir a ele, tem que ter muito respeito, tem que se aproximar e pedindo licença para o maestro. Com a sanfona ele deixa de ser um homem comum e passa a ser um gênio!”
(Texto não integral, parafrasedo do filme “O Milagre de Santa Luzia”)


A existência precede a essência, dizem os existencialistas sartrianos. Mas o que é a existência? Será que a existência humana e somente estar vivo e respirando? Acredito que está definição de existência sirva bem para plantas e todos os tipos de animais, mas para o ser humano não é o suficiente. Nossa existência não pode ser resumida a nascer, crescer, se alimentar, reproduzir e morrer. Somos mais do que mera vida orgânica, biológica, somos alma, somos Arte! Sartre afirma que fomos jogados ao mundo sem absolutamente nada, e por isso a existência nos pesa tanto. Mas talvez o que nos pese não seja a existência, mas a falta de existência. Como assim falta de existência? Aqui modifico a noção recorrente de existir. Existir não quer dizer simplesmente estar respirando, existir no sentido humano, me parece, vai além do respirar, quer dizer, existir verdadeiramente como ser humano, criatura-criador, e assumir o papel de Criador. Nietzsche afirma o ser humano como “animal avaliador”, ou seja, animal que cria e aplicar valores as coisas. Quando se assume essa postura passa-se a existir no sentido humano da existência, criativo e artístico.
Mas para tanto é antes necessário que se encontre um valor maior para a existência, um motivo que ampare e fundamente toda a dor e sofrimento que constituem a existência, um sentido maior que nos faça levantar todas as manhas e sentir que a vida vale apena, de que apesar de tudo essa estranha e não optativa vida vale apena ser vivida.
Na primeira noite do festival de cinema de Brasília o longa metragem exibido foi o emocionante, musical, poético e filosófico filme de Sergio Roizenblit intitulado “O Milagre de Santa Luzia”. O filme que basicamente trata da história de Dominguinhos e de toda a riquíssima cultura popular brasileira da sanfona, que envolve diferentes ritmos de diferentes partes do Brasil. O documentário mostra em uma incrível seqüência de imagens a variedade da cultura da sanfona, manifestada de norte a sul do país. Um filme que sem duvida nenhuma explora magnificamente a multiplicidade cultural de nosso imenso país, uma verdadeira afirmação de identidade brasileira. Porém o filme trata de muito mais do que aspectos culturais, para mim ele trata de existência e de Arte. E é nessa perspectiva que irei interpretá-lo aqui.
Só se passa a existir como ser humano quando se assume a postura de ser criador, e insisto, para isso é necessário criar um valor que fundamente a existência. Mas como criar tal valo? É ai que o documentário mais me tocou. Os depoimentos em geral falam exatamente sobre esse valor maior, sobre esse sentido da vida. Dominguinhos e todos os demais sanfoneiros repente o tempo todo que tocar para eles e como viver e que a sanfona e como parte de seus corpos. Eles simplesmente não podem mais viver sem a música, sem a arte, sem suas sanfonas. Esse é o sentido maior que aqueles indivíduos deram as suas vidas. A sanfona como um instrumento mágico que transforma o mundo, esse mundo caótico e imprevisível repleto de forças múltiplas e contraditórias que nos transpassam e perturbam, esse mundo humano repleto de misérias, dor, sofrimento angustias, medo... A magia da sanfona para aqueles indivíduos transforma esse mundo e lhes da um sentido para viver, para superar a dor. Em um momento do documentário o musico Sivuca ao terminar de tocar uma música com Dominguinhos diz: “Isso é um descanso!” Para ele tocar é como descansar, e inegável que viver cansa e dói, por isso é necessário encontrar algo que nos proporcione um descanso, um prazer que faça tudo mais valer apena. Esse filme exalta a música e a arte como formas de dar sentido a existência. É desse sentido que precisamos para existirmos como seres humanos, caso contrario existiremos apenas como seres orgânicos viventes.